Geração 70

“Não foram tempos bons, ele (António Guterres) fez-me frente”

Em adolescente “meteu na cabeça” que era comunista mas durante o liceu apontou “à esquerda da liberdade.” E foi no PS que Sérgio Sousa Pinto viveu “um dos momentos mais traumatizantes” da vida. Voz incómoda no partido tem também um olhar crítico sobre o país e a “maldição” que leva à fuga de jovens para o estrangeiro.

José Fernandes

Bernardo Ferrão

Mariana Óca Ferreira

Nasceu em Lisboa em 1972 e andou numa escola “de meninos de esquerda”, o jardim-infantil Pestalozzi, fundado por Agostinho da Silva e Lucinda Atalaia, onde no recreio gritavam “CGTP, unidade sindical!”

Em criança viveu com os pais na casa da avó, uma duriense de Cinfães do Douro, da zona do “Douro verde”, onde tinham umas pequenas propriedades. A mãe era funcionária pública, o pai trabalhava numa empresa farmacêutica.

Não viviam mal mas nunca foram “ricos”, “a classe média nesse tempo não era muito próspera”. Ainda assim tinham uma empregada doméstica, que “hoje é um luxo, mas na altura era uma coisa normal. A empregada era uma instituição da classe média portuguesa". Eram outros tempos, “basta olhar para as casas antigas em Lisboa, existia sempre o quarto da empregada”.

Para a conversa Sérgio Sousa Pinto traz fotografias dos verões quase infinitos passados numa casa arrendada, na Costa da Caparica. Verões de três meses, sempre com o chapéu branco de marinheiro que usava “com orgulho”.

“Não tínhamos grande dinheiro para fazer viagens ao estrangeiro, aliás, assim que passávamos a fronteira empobrecíamos. A nossa moeda era fraca.”

"Estávamos encharcados de política e ideologia"

Sousa Pinto não tem bem presente mas conta que a primeira viagem ao estrangeiro talvez tenha sido a Espanha para comprar “caixotes enormes” da Playmobil. A família atravessava a fronteira para “comprar presentes para o Natal, havia muito mais brinquedos.”

Nesses tempos, Portugal vivia dias de brasa, “éramos altamente politizados": "a nossa geração tem de ser compreendida naquele contexto dos anos 70: "estávamos encharcados de política e ideologia".

Neste regresso ao passado, Sérgio Sousa Pinto lembra que desde miúdo o seu interesse pela política até “parecia aberrante”, mas foi assim que se foi aproximando do PCP.

O adolescente deixou a banda desenhada e “meteu na cabeça” que era comunista - “passei a ir comprar livros à banca do Avante”. E os pais não viram problema que entrasse para a Juventude Comunista Portuguesa, mas pediram-lhe que “esperasse uns aninhos para resolver a cabeça.”

O virar de costas ao PCP e a entrada na “esquerda da liberdade”

A ruptura com o PCP acabaria por surgir no liceu: “tudo aquilo era um ambiente pouco transparente”. “Como é que uma pessoa com um fundo libertário se consegue adaptar àquilo? Impossível”, responde. Virou a página e apontou ao PS. O partido dos pais e de Mário Soares: “a esquerda da liberdade.”

Em 1995, com apenas 23 anos, tornou-se líder da Juventude Socialista e foi eleito deputado pelo PS. Foi pioneiro na luta contra a despenalização do aborto e na defesa dos direitos dos homossexuais, no âmbito da união de facto.

Perdeu a guerra com António Guterres, então primeiro-ministro, e viveu “um dos momentos mais traumatizantes” da sua vida - “não foram tempos bons”, confessa. “Ele fez-me frente".

Durante a conversa Sérgio Sousa Pinto aponta ainda aos “vários problemas” da democracia e fala sobre a lenta evolução do país - “os meus filhos estão a aproximar-se da idade que eu tinha quando me fizeram as mesmas promessas”.

Tem dois filhos e não fica surpreendido com os jovens que querem emigrar: “As famílias têm de se habituar. Vão fugir da maldição que parece que se abateu sobre Portugal”.

“ Limito-me a ser um deputado livre”

De quase militante do PCP a crítico da atuação do próprio partido - “um conservador?”-, fala sem tabus sobre as amarguras que já viveu na política: “é absurdo achar-se que sou um opositor dentro do PS. Limito-me a ser um deputado livre.”

Diz que nunca quis liderar o PS e volta a assumir-se como um opositor à geringonça - “a necessidade imperiosa de alcançar o poder diminuiu a autoridade (do PS) para criticar a direita e os entendimentos com a extrema-direita”. Nós também nos entendemos com a extrema-esquerda.”

“Acidentalmente” protagonista da televisão, deixa claro que não construiu uma vida com “base no cálculo”. Considera-se um “deputado à antiga” orgulhoso dos seus “ângulos retos” e “arestas bicudas”. O deputado do PS, Sérgio Sousa Pinto, é o convidado de Bernardo Ferrão do Geração 70.

“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.

Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.

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