Geração 70

Marisa Matias: “A minha família era pobre, trabalhei nas limpezas, limpava prédios”

Aos 13 anos apanhava favas com o irmão e ia à fonte todos os dias, porque não havia água canalizada em casa. A família era pobre, mas nunca deixou de ir à escola. Teve vários trabalhos para ajudar a pagar os estudos. Mais tarde veio a vida política de Marisa Matias.

Ricardo Lopes

Bernardo Ferrão

Mariana Óca Ferreira

Militante e dirigente do Bloco de Esquerda, eurodeputada e duas vezes candidata à Presidência da República Marisa Matias é convidada do podcast Geração 70. Uma conversa com Bernardo Ferrão em que fala da pobreza na infância, do salto da aldeia para a cidade, da vida e do percurso político, da saúde mental e das batalhas que travou – e que trava diariamente.

Nasceu a 20 de fevereiro de 1976, em Coimbra, e cresceu na pequena aldeia de Alcouce, onde não havia luz, nem água canalizada.

“A minha família era pobre. Vivi muitos anos sem água canalizada. Todas as manhãs ia buscar água à fonte e lembro-me de quando veio finalmente a água, a luz e o telefone”.

Aos 13 anos apanhava favas com o irmão

Ainda hoje é nessa aldeia despida, com menos de 100 habitantes, que continua a sentir-se em casa. “É onde tenho a minha família. Foi em Alcouce que ganhei a noção da vida.”

Aos 13 anos apanhava favas com o irmão – “eram as nossas tarefas do quotidiano”, mas não deixou de ir à escola. O projeto dos pais sempre foi o futuro dos três filhos. A mãe começou a trabalhar depois de tirar a quarta classe, tratava da casa, “fazia umas limpezas aqui e ali” e cuidava de crianças. O pai – depois de voltar do Luxemburgo – trabalhou “toda a vida” como guarda florestal.

“A minha mãe começou a trabalhar com a quarta classe. Quando o meu pai fez o quinto e o sexto ano já eu e os meus irmãos os tínhamos feito”.

Marisa Matias começou a trabalhar na adolescência para ajudar os pais a pagar os seus estudos. “Trabalhei nas limpezas, limpava prédios”. Já na cidade de Coimbra, para onde se mudou para estudar Sociologia, trabalhou num bar. “Dormia todas as noites umas duas horas”, lembra.

“A minha mãe foi a primeira feminista que conheci”

Em casa “falava-se muito de política”. “A minha mãe foi a primeira feminista que conheci. Antes de casar não podia usar calças, não podia cortar o cabelo. O casamento foi uma libertação para ela. Quando casou, a primeira coisa que fez foi ir a Coimbra comprar umas calças e cortar o cabelo – foi um ato de liberdade.”

Em adolescente envolveu-se nos movimentos de esquerda pela procura de um “caminho de justiça e igualdade social”. Juntou-se ao Bloco de Esquerda nos primeiros anos do partido, no início da década de 2000, e fez todo o percurso de militante de base até à direção nacional.

O desejo do amigo Miguel Portas

O voo para Bruxelas aparece pelo desejo de três pessoas, uma delas Miguel Portas, o amigo que conheceu aos 21 anos e que recorda nesta conversa. Demorou a aceitar o convite para o Parlamento Europeu, mas não conseguiu rejeitar o desafio muito pela “incapacidade de dizer que não”. Em 2024, despede-se de Bruxelas e de Estrasburgo.

“Ainda há muito a ideia de que os políticos estão em lugares superiores. Há muita arrogância na política, mas sempre existiu”. No entanto, acrescenta, “Os cargos (políticos) não são eternos. Os lugares de representação não são hierárquicos. Nós estamos ao serviço.”

Quanto à segunda corrida à Presidência da República, não acontece, garante, pela incapacidade de dizer que não. “Era uma eleição decidida, mas tínhamos um candidato de extrema direita (André Ventura) e achei que eram precisas todas as vozes”, explica.

Marisa Matias é investigadora do Centro de Estudos Sociais e é doutorada pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. As suas áreas de interesse incluem as relações entre ambiente e saúde pública, ciência e conhecimentos e democracia e cidadania.

Não é um podcast de política ou de economia, nem de artes ou ciência. É uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho.

Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam. Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.

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