Nasceu em 1972, em Lisboa. Perdeu o pai cedo, ainda não tinha seis anos. A mãe voltou a casar e foi criada pelo padrasto numa casa “com três assoalhadas”, em São Domingos de Benfica - “fui muito feliz naquela casa”.
A infância foi passada na rua, com os amigos e a brincar no parque do jardim mesmo à frente de casa.
Em criança ouvia, “vezes sem conta”, o disco “Pano-Cru”, mais concretamente a música “O 2º Andar, Direito”, de Sérgio Godinho. “Não era uma coisa muito natural para uma miúda pequena”, confessa.
A mãe era Bióloga e professora no Liceu, o padrasto era médico. O pai, militar, morreu aos 34 anos.
“Chamavam-nos os esquerdalhos e tínhamos orgulho nisso”
Na fase escaldante do país - até aos anos 80 - em casa falava-se “sempre” de política, recorda. Recebeu a herança de esquerda da mãe e do padrasto que faziam questão de no 25 de Abril vestirem-se de vermelho e pôr Zeca Afonso a tocar (tudo para “irritar” o marido da porteira do prédio que tinha sido agente da PIDE, conta).
“Chamavam-nos os esquerdalhos e tínhamos orgulho nisso! Hoje os meus filhos sabem que o 25 de Abril é o dia mais importante do ano”.
Há anos que publica livros sobre o 25 de Abril, mas a Revolução dos Cravos “é quase uma obsessão”, confessa.
Durante a conversa, partilha uma fotografia rara do pai tirada depois dos militares terem ocupado a RTP.
“Saber que ele tinha feito parte daquilo foi muito bonito. Mais tarde, já quase aos 50 anos, descobri um vídeo do meu pai, o Tenente Serras Lopes. Tinha sotaque alentejano. Nunca tinha ouvido a voz dele”.
“Não sabia o que queria fazer, mas queria ser culta”
Cresceu rodeada de livros e como talvez já fosse esperado, apaixonou-se por eles em criança e o padrasto foi o culpado.
“Eu não sabia o que queria fazer, mas queria ser culta. Era a minha grande ambição e foi ele que me passou isso”.
Estudou literatura, história, fez parte da direção da Bulhosa e é hoje diretora e fundadora da Tinta-da-China.
Casou aos 19 anos e divorciou-se aos 39. Foi sempre conhecida como Bárbara Bulhosa, apelido do ex-marido, “fiquei com o nome dele, não tem importância. Já na altura da faculdade era a Bárbara Bulhosa. Todos me conhecem assim.”
Sentiu-se “quase obrigada” a abandonar a Bulhosa e ficou sem emprego. Chamou a amiga Inês Hugon e “sem dinheiro e autores” criaram a Tinta-da-China. “Ganhámos um projeto do Instituto do Emprego e Formação Profissional e tivémos um ano a trabalhar no sótão da minha casa”, conta. Foi o ex-marido, Jaime, que escolheu o nome da editora.
A Tinta-da-China é hoje uma editora de sucesso. Rui Tavares foi o primeiro autor e “vendeu bem”, na altura cerca de 6 mil livros. Nos dias de hoje, com Ricardo Araújo Pereira, já chegou aos 70 mil.
O sonho de ter uma livraria
O baixo consumo de leitura em Portugal preocupa-a, assim como os vícios dos “livros de supermercado” e a “concorrência brutal” dos telemóveis e redes sociais, mas sabe que será sempre uma eterna fiel à “experiência de ler um livro”.
Bárbara Bulhosa é a convidada de mais um episódio do podcast Geração 70. Fundadora da primeira editora “com termo de identidade e residência”, mulher de convicções e coragem. Orgulhosa da independência da Tinta-da-China, mas que ainda sonha em ter uma livraria.
A culpa do Estado
Convicta de que os livros “são um mundo”, sempre quis chegar às pessoas e fugir dos temas que acha “eruditos”. Acredita que a “herança democrática” ficou e que a “democracia está bem entranhada” nos portugueses, mas alerta para os “riscos” da extrema direita.
Bárbara Bulhosa responsabiliza o Estado pela falta de hábitos de leitura, mas não deixa de elogiar o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa por dar o exemplo, por ler e por organizar e participar em feiras do livro.
“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.
Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.