Geração 70

Sabe quem é Pedro Matos Fernandes? Está muito desiludido com a democracia portuguesa

Sem olhar para as próximas fotografias, provavelmente, não iria perceber logo de quem se trata. Façamos então a primeira apresentação: é dono de uma voz inconfundível e um dos atores portugueses que mais cartas tem dado fora do país. É um dos protagonistas da Geração 70.

NUNO FOX

Bernardo Ferrão

Mariana Óca Ferreira

Participou em várias séries estrangeiras como Narcos, No Limite (Shameless) ou a Rainha do Sul e, mais recentemente, no elenco principal da série portuguesa Rabo de Peixe.

Sim, a conversa é com Pêpê Rapazote: sobre a infância, as fortes raízes familiares, a arquitetura, os desafios na arte de representação e a desilusão com a democracia.

“O meu irmão mais velho só sabia dizer pê, pê”

Nasceu a 10 de setembro de 1970, em Lisboa, e explica porque é conhecido como Pêpê Rapazote. Somos três irmãos, eu sou o do meio e o meu irmão mais velho só sabia dizer pê, pê, pê e ficou PêPê”.

Aos 9 anos foi viver para a Venezuela, com a família, e foi lá que ganhou o mundo. Lembra que teve uma educação “mais à antiga”, com o pai muito ausente, porque estava sempre a trabalhar, mas podia “curtir a mãe em casa a fazer coisas espetaculares”.

Em Caracas viveu pouco mais de dois anos, onde teve uma vida de grande privilégio, mas a família acabou por regressar a Lisboa de forma muito natural.

“Põe-me a arranjar canalizações e eu sou feliz. Põe-me a plantar batatas e eu sou feliz”

Estudou no Colégio Moderno e licenciou-se em Arquitetura. Bom aluno a tudo, Pêpê teve dificuldade em escolher uma só área profissional.

“Gostava de tudo. Ainda hoje gosto. Põe-me a arranjar canalizações e eu sou feliz. Põe-me a plantar batatas e eu sou feliz. Juro-te que sou feliz. Gosto mesmo de tudo. Tudo o que vejo é paixão, é devorar a vida.”

O curso de teatro chega para tirar da cabeça outras coisas em que não queria pensar, como alguns desgostos de amor, que o levaram a desviar-se do caminho e a passar por períodos menos bons. Houve excessos, de quem vive tudo com muita intensidade e de alma e coração. Mas “um tipo sai da fossa num instante”.

Confessa que quando foi para o teatro, sentiu-se a pessoa mais ignorante do Mundo. “Eu não sabia ler teatro. Era um arquiteto que fazia teatro amador”.

Fui para as obras porque queria (...) emagreci 10 quilos no primeiro mês

“A primeira vez que trabalhei foi nas fundações do edifício da Caixa Geral de Depósitos nos anos 80 com um salário mínimo de 29 mil e 500 escudos, 150 euros. Fui para as obras porque queria, foi o meu pai que me deu o trabalho, emagreci 10 quilos no primeiro mês. Doze horas de trabalho por dia, uma semana de dia e uma semana de noite.”

Recorda também o primeiro ordenado como arquiteto de 176 contos, 870 e poucos euros em janeiro de 1994 e questiona: “Hoje um arquiteto ganha a mesma coisa, 30 anos depois. O que é que aconteceu a este país?

Apesar de ter ido para fora de Portugal, continua a dizer “amem este país, fiquem, votem etc... mas não há como convencer ninguém a ficar”, desabafa.

“A grande desilusão da minha vida é a democracia portuguesa”

Muito crítico em relação ao estado da política em Portugal, diz que “a democracia portuguesa é uma desilusão” e que é preciso uma “limpeza total”. “Eu sou de uma geração que deu origem a grandes desilusões aos portugueses, designadamente associadas à corrupção”. Afirma que não existe meritocracia e vai mais longe: “Eu sou da geração das juventudes partidárias que fazem vida política e não tiveram capacidade para acabar sequer o liceu”.

“A grande desilusão da minha vida é a democracia portuguesa. Como estudei bastante o 25 de abril, fui apanhar todos os intérpretes que ainda hoje povoam a política e que conseguiram fazer, não 180 graus, mas até 190, forçaram a barra. Foram de ultra revolucionários a ultra conservadores. Mudanças de opiniões dessas no estado adulto não acredito. Acredito sim que é hipocrisia, acredito no egoísmo e na forma como as pessoas se aproveitam das situações.”

“Não me via aos 60 anos a fazer novelas”

Políticas à parte, Pêpê Rapazote conta que um dia Francisco Nicholson ligou-lhe para fazer uma novela: “Ajuste de Contas”. Diz que foi uma aventura fantástica e continua a ser.

“A televisão foi acontecendo. Feliz ou infelizmente comecei a fazer muitos protagonistas de televisão e já não tive tempo para o teatro”.

Como não se via a fazer novelas aos 60 anos e o teatro não paga a mercearia, pensou: ”ou mudo de profissão ou tenho de olhar para fora”. O currículo está à vista de todos.

“Estou a tentar entrar no mercado das plataformas de streaming, um bocadinho como Rabo de Peixe na Netflix, contando histórias portuguesas em português. É isso que eu quero fazer pelo meu país”.

“Figuras públicas são as prostitutas e até essas têm direito de admissão”

“Lá fora é uma loucura: dão-me beijos e pedem para tirar selfies. Conhecem-me pelo nome. Eu tenho exposição pública, mas fecho-a ao mínimo. Eu não tenho obrigações por ser figura pública. Deixa-me dizer uma brejeirice: figuras públicas são as prostitutas e até essas têm direito de admissão.”

Casado com a atriz Mafalda Vilhena, tem nas duas filhas, de 18 e 14 anos, a sua maior inspiração. Sobre a mulher diz: “é a pessoa com a maior inteligência emocional que conheço, continuo a aprender coisas com ela”.

“Vivi até muito tarde em casa dos meus pais e não vivi mais porque não dava, quer dizer, se quisesse viver mais e com outra pessoa teria de lhe perguntar: não te queres juntar aos meus pais? Eu adorava os meus pais e achei que a minha vida ia acabar se se desfizesse este núcleo familiar. Estes últimos tempos foram muito violentos com a doença da minha mãe e a morte do meu pai”.

“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.

Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.

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