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Compreender o conflito: os ganhos que Jeddah conferiu a Kiev

Não era a “paz” que estava prometida para o evento da Arábia Saudita. Mas a Ucrânia conseguiu aproximar antigos e atuais aliados da Rússia e somou pontos em temas como a adesão à NATO e à UE, o acordo dos cereais ou mesmo a troca de prisioneiros. E há cada vez mais geografias a reconhecer que o agressor é a Rússia e, para que a guerra se resolva, tem que fazer duas coisas: parar a agressão e retirar as tropas das regiões ocupadas. Análise do comentador da SIC, Germano Almeida.
SAUDI PRESS AGENCY/Reuters

Germano Almeida

1 – UCRÂNIA: FÓRMULA DE PAZ DE ZELENSKY “É A ÚNICA BASE PARA NEGOCIAÇÕES”

Mykhailo Podolyak, conselheiro do chefe de gabinete de Volodymyr Zelensky, escreveu na rede social X que “a única base fundacional para negociações é a fórmula de paz” do Presidente ucraniano. “Não pode haver posições de compromisso, como ‘cessar-fogo imediato’ e ‘negociações aqui e agora’, que dão tempo à Rússia para permanecer nos territórios ocupados. Apenas a retirada das tropas russas para a fronteira de 1991”, acrescentou. O conselheiro advertiu ainda que não se deve ter “ilusões”, uma vez que “qualquer ‘Minsk-3’ apenas prolongará a guerra”.

2 – RÚSSIA SENTE NECESSIDADE DE DESVALORIZAR PRESENÇA DA CHINA NA CIMEIRA DE JEDDAH

Um dia após a reunião de paz saudita, Lavrov falou com homólogo chinês, Wang Yi: os dois criticaram "política de confrontação do Ocidente". “Há uma rejeição da política de confrontação do bloco do Ocidente à Rússia e à China”, indicou a diplomacia russa, que acusa os países ocidentais de “restringirem o desenvolvimento” de Moscovo e Pequim com “sanções e outros métodos ilegítimos”. Os ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia e da China saudaram as relações entre Moscovo e Pequim, incluindo em várias organizações internacionais. Sergei Lavrov também congratulou o homólogo pela recente nomeação enquanto chefe da diplomacia chinesa.

3 – OS PONTOS GANHOS POR KIEV EM JEDDAH

Ucrânia, NATO e União Europeia. Sanções e acordo sobre cereais dominaram reuniões na Arábia Saudita. O evento promovido, no fim de semana, pela Arábia Saudita juntou, em Jeddah, conselheiros de segurança nacional e representantes internacionais sobre o conflito na Ucrânia, Yermak e o conselheiro para a Segurança Nacional do Presidente dos Estados Unidos “chegaram a acordo sobre ações conjuntas no contexto da aplicação da Fórmula de Paz e dos preparativos para a Cimeira Mundial da Paz”.

Apesar da ausência da potência agressora o encontro juntou países que têm sido apontados como mais próximos da Rússia, como a China ou a Índia; as delegações terão discutido um novo acordo de paz elaborado pela Arábia Saudita, além da formula de paz Presidente Zelensky.

Neste acordo existia um cessar-fogo imediato, o início de negociações de paz sob a supervisão das Nações Unidas e ainda a troca de prisioneiros; reunião começou a discutir a fórmula de paz de Zelensky, que inclui a retirada das tropas russas da Ucrânia; mais de 30 encontros bilaterais de Ucrânia com Estados Unidos, a Arábia Saudita, a Finlândia, o Japão, o Qatar, França, Alemanha, Espanha, Noruega, Turquia, Polónia e Eslováquia. MNE da Alemanha sobre encontro de paz: "Todos os milímetros de progresso para uma paz justa trazem um raio de esperança": Annalena Baerbock, enfatizou que este encontro de paz mostra que a guerra na Ucrânia também “afeta pessoas de África, Ásia e América do Sul”. Elogiando a fórmula de paz de Zelensky, a ministra alemã disse que esta aponta um “caminho decisivo”.

4 – ZELENSKY ACUSA LULA DE “COINCIDIR COM AS NARRATIVAS DE PUTIN”

Zelensky acusou o Presidente do Brasil, de "coincidir com as narrativas" de Putin. "Espero que [Lula] tenha uma opinião própria. Não me parece necessário que os seus pensamentos coincidam com os pensamentos do Presidente Putin", acrescentou Zelensky, para quem as declarações do líder brasileiro "não ajudam a trazer nenhuma paz".

Zelensky, pediu aos dirigentes e povos da América Latina que ajudem Kiev na luta contra o "colonialismo" da Rússia e acusou o Presidente do Brasil de ter um discurso pró-Putin. Zelensky afirmou que a Rússia recolhe e exporta cereais e outros produtos agrícolas dos territórios da Ucrânia e apelou à experiência da América Latina com o colonialismo para pedir solidariedade para a causa ucraniana. "Vocês sabem perfeitamente o que significam as consequências do colonialismo".

5 – BERLIM CADA VEZ MAIS PERTO DE ENVIAR TAURUS PARA A UCRÂNIA

Um parlamentar ucraniano afirmou que as principais fações parlamentares na Alemanha “chegaram a um consenso” para fornecer à Ucrânia mísseis de cruzeiro Taurus, com alcance de 500 quilómetros, embora ainda falte uma decisão oficial. O ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, disse na semana passada que Berlim não planeia fornecer os mísseis por enquanto e que as armas não são a prioridade mais urgente. No entanto, Yehor Chernev, o parlamentar que chefia a delegação da Ucrânia na assembleia da NATO, avançou com um acordo iminente nesse sentido. “Trabalhámos muito tempo com parlamentares alemães para formar um grupo de apoio e agora finalmente o gelo quebrou. Aguardamos uma decisão oficial”, escreveu Chernev no Facebook.

Entretanto, o foco do relatório diário do Ministério da Defesa britânico incidiu sobre o impacto das operações aéreas russas no terreno. De acordo com o Reino Unido, a força aérea de Moscovo continua a usar “recursos consideráveis”, mas sem conseguir produzir um “impacto decisivo” no terreno. As razões devem-se sobretudo ao facto de a grande maioria dos aviões militares russos estarem operacionais apenas em zonas controladas pelo Kremlin, devido à ameaça causada pelas defesas aéreas ucranianas. A Defesa britânica corrobora assim os relatos das própria forças ucranianas, que através do porta-voz da força-aérea, Yuriy Ihnat, afirmaram que os aviões militares ucranianos estão a conseguir prevenir boa parte dos ataques aéreos russos.

6 – UCRÂNIA ATACA PONTE DE CHONGAR PARA CORTAR LIGAÇÃO TERRESTRE ENTRE RÚSSIA E CORREDOR SUL

O Exército ucraniano disparou vários mísseis contra a ponte de Chongar, que liga as regiões ucranianas anexadas de Kherson e da Crimeia, um dos quais danificou o seu pavimento rodoviário. As forças armadas da Ucrânia confirmaram ter atingido pontes rodoviárias que ligam a Crimeia e as partes ocupadas pela Rússia no sul da Ucrânia.

Os ataques "atingiram duas rotas principais de comunicação" para a Rússia, a ponte Chonhar, que liga a região de Kherson à Crimeia, e uma ponte menor para a península da cidade ucraniana de Henichesk. Entretanto, a Rússia também utilizou três mísseis hipersónicos ‘Kinzhal’, sem especificar se foram ou não destruídos. “No total, o inimigo utilizou 70 armas aéreas em várias vagas de ataques”, particularmente na região de Khmelnytsky, a centenas de quilómetros das linhas da frente, mas onde se encontra uma importante base aérea ucraniana.

Mais a norte, o Exército russo reivindica avanço de três quilómetros em direção a Kupiansk (Kharviv, nordeste), em zona recapturada pelas forças ucranianas em setembro passado e que enfrenta uma ofensiva russa há várias semanas. “Nos últimos três dias, os soldados russos avançaram mais de três quilómetros nesta direção, ao longo de um troço de 11 quilómetros da linha da frente”, afirmou o Ministério russo da Defesa no seu boletim diário. Trata-se da zona entre as aldeias de Vilchana e Perchotravnevé, a nordeste de Kupiansk, uma cidade que tinha entre 26 mil e 28 mil habitantes antes do conflito. Oleksandr Prokudin, o governador da região de Kherson, disse que o exército russo passou a última noite a “incendiar as casas dos residentes na área central da cidade”.

7 – POLÓNIA DEVERÁ ENVIAR MAIS MIL SOLDADOS PARA A FRONTEIRA COM A BIELORRÚSSIA

A Polónia anunciou que vai enviar mais 1000 militares para a fronteira com a Bielorrússia. Em causa está um aumento no número de tentativas para entrar ilegalmente no país. De acordo com o serviço de estrangeiros e fronteiras de Varsóvia, pelo menos 19 mil pessoas tentaram entrar ilegalmente no território polaco este ano, um número já superior aos 16 mil incidentes registados em todo o ano de 2022.

Este contingente de soldados junta-se aos mais de 1000 que já foram enviados para a fronteira nas últimas semanas, num contexto de tensão entre os dois países devido à presença do grupo Wagner no território.

8 – SERVIÇOS DE INFORMAÇÕES RUSSOS REGISTARAM O MAIOR NÚMERO DE SEMPRE DE CASOS DE “TRAIÇÃO”

O Serviço Federal de Segurança (FSB) russo registou o maior número de sempre de casos de “traição”. A notícia foi dada pelo jornal independente russo Meduza. Desde 1 de janeiro até 31 de julho de 2023, foram registados pelos 82 casos por traição, espionagem, cooperação com potência estrangeira, entre outros crimes. Dos 82 casos, 17 aconteceram em Moscovo, 51 em regiões da Rússia e 11 nos territórios ocupados na Ucrânia.

9 – MAIORES EMPRESAS EUROPEIAS COM PERDAS DE 100 MIL MILHÕES DEVIDO ÀS OPERAÇÕES NA RÚSSIA

As maiores empresas europeias tiveram perdas diretas de pelo menos 100 mil milhões de euros devido às operações na Rússia. Das 600 empresas analisadas pelo "Finantial Times", 176 reportaram perdas ou despesas adicionais ligadas à venda, encerramento ou redução de operações na Rússia. A partir do momento em que a Rússia invadiu a Ucrânia, várias empresas europeias anunciaram o encerramento de operações em território russo.

As empresas ligadas ao setor da energia, as ‘utilities’ e a banca deram os maiores contributos para estas perdas — só estes três setores representaram mais de 60% do valor total de perdas.

10 – TURISMO RUSSO NA CRIMEIA EM FORTE QUEDA

O número de russos a escolherem a Crimeia como destino de férias caiu a pique nas últimas semanas, consequência do aumento no número de ataques ucranianos na região anexada desde 2014.

De acordo com jornal russo Kommersant, a queda abrupta no mês de julho foi visível na segunda quinzena do mês, com os hotéis a registarem uma diminuição de 45% nas reservas por comparação com a primeira metade do mês.

Em jogo estão também fatores económicos, como o aumento dos preços e uma época alta mais curta que o habitual na Rússia. O turismo é um dos principais motores económicos da Crimeia, bem como uma importante arma política do Kremlin para sinalizar que a a península ocupada está assimilada na Rússia.

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