Cultura

Sessão de Cinema: “Fairytale”

Nome grande do cinema contemporâneo, o cineasta russo Aleksandr Sokurov continua a questionar a herança da história e, em particular, as linguagens através das quais evocamos as suas figuras mais marcantes.

Mussolini, Estaline, Churchill e Hitler: memórias do século XX revistas em tom de conto surreal

João Lopes

Entre os filmes que chegaram este ano às salas portuguesas e, entretanto, já estão disponíveis em streaming, “Fairytale” (2022), do cineasta russo Aleksandr Sokurov, é seguramente um dos mais originais — no limite, também um dos mais inclassificáveis.

Os espectadores que conheçam um pouco da filmografia de Sokurov saberão que o seu trabalho sempre se interessou por figuras marcantes da história da humanidade. Não que ele faça exactamente biografias. Podemos até dizer que o seu cinema envolve uma permanente discussão sobre o que é isso de “biografar” e, nessa medida, o que significa aplicar os meios específicos do cinema para revisitar a memória plural das vivências individuais ou colectivas — lembremos apenas os seus filmes sobre Adolf Hitler (“Moloch”, 1999), Lenine (“Taurus”, 2001) e o Imperador Hirohito (“O Sol”, 2005).

Pois bem, “Fairytale” é um descendente directo desses filmes, até porque as formas de manipulação das imagens de vários dos seus projectos anteriores (incluindo os citados) atingem aqui uma dimensão inusitada, algures entre o anti-realismo e a dimensão poética — o seu método envolve, afinal, uma permanente interrogação das linguagens de que se faz a história.

O subtítulo português é sugestivo: “Sombras do Velho Mundo”. De que se trata, então? Numa paisagem figurativa que não esconde o seu artifício, algures entre a animação clássica e a prática ancestral da gravura, deparamos com uma galeria de personagens históricas que marcaram o século XX, com destaque para um quarteto: Hitler, Estaline, Churchill e Mussolini. Eles estão às portas do Purgatório e enfrentam a pesada herança de um tempo de muita violência e destruição…

Ao longo de vários anos, a equipa técnica liderada por Sokurov trabalhou sobre muitas imagens de arquivo para criar um genuíno “conto de fadas” (tal como diz o título) sobre as atribulações da história que geraram o mundo em que, agora, vivemos. Sendo um filme construído a partir de memórias de imagens e palavras, este é um conto surreal, ou melhor, uma fábula sobre os fantasmas históricos do nosso presente.

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