Em tempos recentes, o sucesso global de “Barbie” trouxe especial evidência à sua realizadora, Greta Gerwig — afinal de contas, em termos absolutos, nunca um filme realizado por uma mulher tinha gerado tanto dinheiro nas bilheteiras de todo o mundo. Ora, o mínimo que se pode dizer a propósito de tal estatuto é que resulta de algo bem diferente de tudo aquilo que Gerwig tinha feito antes. A saber: um cinema alicerçado nos valores tradicionais do retrato psicológico — lembremos o delicado melodrama que é “Lady Bird” (2017) —, não por acaso com alguma relação criativa com determinadas heranças literárias.
Filiado nessa relação, justamente, é “Mulherzinhas”, produção de 2019 adaptada do clássico de Louisa May Alcott, já disponível em streaming. Foi a própria Gerwig que escreveu a adaptação do romance que retrata a adolescência das quatro irmãs March, a descoberta do amor e a entrada na idade adulta.
Claro que a chamada “reconstituição” da época — neste caso, a segunda metade do século XIX — é sempre um elemento importante num filme deste género. Seja como for, Gerwig está longe de reduzir o seu trabalho aos elementos banalmente “decorativos” de algumas adaptações, valorizando antes a complexidade psicológica de cada personagem e o sistema de relações das suas vidas privadas e públicas. Nessa medida, o seu filme é um legítimo herdeiro daquela que será a adaptação mais sofisticada de Alcott (entre nós lançada como “As Quatro Irmãs”), realizada por George Cukor em 1933, com Katharine Hepburn na personagem fulcral de Jo March.
Agora, é Saoirse Ronan que interpreta Jo, “liderando” um magnífico elenco que inclui Emma Watson, Florence Pugh, Timothée Chalamet e, no papel da Tia March, Meryl Streep. Nomeado para seis Óscares referentes à produção de 2019, incluindo melhor filme do ano, “Mulherzinhas” arrebatou uma estatueta dourada, para Jacqueline Durran, na categoria de melhor guarda-roupa.