Cultura

Elogio do Technicolor

A memória do Technicolor projecta-nos numa época gloriosa do cinema clássico: as cores exuberantes eram, de uma só vez, produto de uma sofisticada tecnologia e celebração do gosto do espectáculo.

Technicolor de 1951: Leslie Caron e Gene Kelly em "Um Americano em Paris"

João Lopes

Há toda uma mitologia dos efeitos especiais que tem contribuído para um estreitamento da compreensão da tecnologia cinematográfica e, em última instância, da própria história do cinema. Assim, nas últimas décadas tem-se feito crer que a produção cinematográfica sempre foi algo “tosca”, só tendo evoluído quando os super-heróis começaram a voar pelos céus…

Enfim, digamos apenas que desde as manipulações das imagens que Georges Méliès praticou há mais de cem anos (a sua “Viagem à Lua” é de 1902) até à recente aplicação das câmaras IMAX, por Christopher Nolan, no prodigioso “Oppenheimer”, a história dos filmes é feita de permanentes cruzamentos das componentes narrativas com os recursos específicos de cada época — e Méliès era tão (ou mais) revolucionário que Nolan.

Saudemos, por isso, a revisitação do Technicolor no ciclo actualmente a decorrer em Lisboa, na sala da Cinemateca. Apresentando filmes das décadas de 1930, 40, 50 e 60, a iniciativa intitula-se “Technicolor: O Esplendor da Cor”… e não é caso para menos. Estamos, de facto, perante um processo técnico (complexo e dispendioso) cuja exuberância marcou filmes tão diversos como a animação “Fantasia” (1940), de Walt Disney, a parábola fantasista “O Céu Pode Esperar” (1943), de Ernst Lubitsch, o musical “Um Americano em Paris” (1951), de Vincente Minnelli, o melodrama “Bom Dia, Tristeza” (1958), de Otto Preminger, ou a comédia “As Noites Loucas do Dr. Jerryll” (1963), de Jerry Lewis.

Repare-se no exemplo de “Hatari!” (1962), de Howard Hawks, uma espécie de divertida recriação do espírito do “western” em cenários africanos (video com cena de abertura), protagonizada por John Wayne. Por um lado, há um certo efeito de realismo nos cenários naturais; por outro lado, esse efeito surge “ampliado” pela exuberância das cores, emprestando ao filme o espírito clássico de uma fábula — o Technicolor serve, afinal, para explorar essa maravilhosa ambivalência cromática e narrativa.

E porque um ciclo deste género nunca é alheio a alguma nostalgia, convém não esquecer que muitas das suas sessões se realizam à noite, ao ar livre, na esplanada da Cinemateca — a provar que a tradição ainda pode ser aquilo que era…

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