Quando falamos da galeria de autores que nos anos 1960/70 transfiguraram por completo a paisagem do cinema dos EUA — merecerendo mesmo a classificação de “New Hollywood” —, pensamos em nomes como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Brian De Palma… e quase sempre nos esquecemos de Peter Bogdanovich (1939-2022). Esquecendo também que ele foi um importante jornalista e crítico da área do cinema. Provavelmente, para muitos, Bogdanovich será “apenas” conhecido como o actor secundário que interpretou o Dr. Melfi, psicoterapeuta na série “Os Sopranos”…
Graças ao streaming, podemos agora ver ou rever um dos títulos marcantes da sua filmografia, até porque se tornou também num símbolo da produção independente de há cerca de meio século: “A Última Sessão”, título de 1971 que, além do mais, arrebatou os dois Óscares de interpretação secundária referentes a esse ano — foram para Cloris Leachman e Ben Johnson.
Baseado no romance homónimo (“The Last Picture Show”, publicado em 1966) de Larry McMurtry, este é o desencantado retrato de Anarene, uma cidadezinha esquecida do norte do estado do Texas, no começo da década de 1950: por um lado, os rapazes vivem marcados pela possibilidade de irem combater na guerra da Coreia; por outro lado, tudo acontece numa paisagem de decadência económica (com o fim da exploração de muitos poços de petróleo) de que a salinha de cinema que vai ter a sua “última sessão” é a expressão mais directa e também mais nostálgica.
Para lá dos veteranos “oscarizados”, Bogdanovich dava a a conhecer vários nomes de uma geração jovem, recheada de talentos — entre eles encontramos Jeff Bridges, Cybill Shepherd (no seu primeiro filme) e Timothy Bottoms. Filmado em admiráveis imagens a preto e branco (da responsabilidade desse notável director de fotografia que foi Robert Surtees), “A Última Sessão” faz, assim, o retrato de uma conjuntura de crise identitária e, nessa medida, do nascimento de uma geração à procura de um lugar na história da sua comunidade e do seu país.
Importa lembrar que, cerca de duas décadas mais tarde, em 1987, McMurtry escreveria uma sequela de “The Last Picture Show”, intitulada “Texasville”. A respectiva adaptação cinematográfica, datada de 1990, foi também dirigida por Bogdanovich, reencontrando o trio dos seus jovens actores, agora a representar as alegrias e agruras da passagem do tempo.