Ontem Já Era Tarde

Gonçalo Almeida: “Ameaça dos jogadores ao Mundial de Clubes? Primeiro estranha-se, depois entranha-se” 

É o primeiro português a ser nomeado juiz da Câmara de Agentes do Tribunal da FIFA, num mandato que começou em 2023 e termina em 2027. Especializado em direito desportivo, Gonçalo Almeida integrou o organismo que rege o futebol mundial logo no início de uma carreira que já leva mais de duas décadas.

Luís Aguilar

A poucos dias do Mundial de Clubes, o advogado lembra a polémica que esteve na origem da competição com vários jogadores a revelar descontentamento por mais uma prova no já exigente calendário. Para Gonçalo Almeida, esse possível braço-de-ferro “já não é um assunto”.

“Verdade que houve essa preocupação e a competição vai aportar um cansaço extra. Mais ainda num país que é quase um continente [Estados Unidos] e que obriga a grandes viagens. Mas, pelo que vemos agora, todos os jogadores e treinadores querem estar neste Mundial de Clubes”.

Sem esquecer a importância da saúde dos jogadores, e o tempo de descanso, Gonçalo Almeida considera a “aversão inicial” como algo comum no ser humano. “Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Há sempre essa resistência a algo novo, mas este é um bom produto e que está a gerar muito interesse e motivação junto de todos os envolvidos, a começar pelos adeptos.”

“Makukula queria representar o Congo, depois agradeceu-me quando jogou por Portugal”

Enquanto advogado da FIFA, Gonçalo Almeida lidou com vários processos de jogadores. Alguns deles que via apenas pela televisão. Recorda que, no mesmo dia, chegou a falar com o colombiano René Higuita e o camaronês Roger Milla, protagonistas de um lance histórico no Mundial de 1990.

“O Higuita ligou-me porque tinha um valor a receber de um clube que representou, mas a situação já tinha prescrito. Passado pouco tempo, o Roger Milla entra no meu gabinete. Uma daquelas coincidências.”

Noutro momento, lembra, recebeu um telefonema de Ariza Makukula.

“Ele teve uma proposta para representar a seleção da República Democrática do Congo. O problema é que ele tinha representado Portugal nos sub-21 e já tinha passado a idade para fazer essa mudança. Os regulamentos não permitiam e expliquei-lhe isso, mas ele ficou chateado e não gostou.”

Mais tarde, os caminhos do advogado e do avançado voltaram a cruzar-se. “Fui ver um jogo da Seleção ao Cazaquistão em 2007. Curiosamente, o Makukula estreou-se nesse jogo e marcou um golo decisivo [vitória de Portugal por 2-1]. No final do jogo, estava com um cliente que tinha acesso ao balneário e pude estar com os jogadores portugueses. Vi o Makukula e fui ter com ele. A princípio não se lembrava de mim, depois recordei o telefonema e a situação do Congo.”

A reação, conta, deixou-o surpreendido: “O Makukula é enorme, deu-me um grande abraço e agradeceu por não ter jogado no Congo. Foi um episódio curioso, se bem que ele não tinha nada para me agradecer. Apenas segui os regulamentos.”

“Rui Costa é um grande benfiquista, mas não me revejo na gestão atual”

Gonçalo Almeida não esconde o seu benfiquismo e diz, com orgulho, que é “um sócio águia de prata e quase a chegar à águia de ouro”. Apesar do lado emocional com o Benfica, já trabalhou com outros clubes. Inclusivamente representou o FC Porto em dois processos, ambos com resultado positivo.

Um deles que opôs os dragões ao treinador Co Adriaanse e outro em que o FC Porto ganhou uma decisão contra a UEFA, então presidida por Michel Platini, na época do processo “Apito Dourado” em que os dragões conseguiram contestar uma decisão que os impedia de jogar a Liga dos Campeões e tiveram acesso à prova milionária: “Conhaque é conhaque, trabalho é trabalho. E quem não pensar assim, não vai longe na vida. O facto de ser benfiquista, e querer muito que o meu clube vença, não tem de me impedir de trabalhar com todos os clubes.”

No entanto, Gonçalo Almeida admite que houve quem não pensasse assim no Benfica.

“Sendo benfiquista nunca trabalhei com o meu clube. E não foi por mim. Mas algumas pessoas que estavam no Benfica, nomeadamente o diretor jurídico no tempo de Luís Filipe Vieira, não sabiam fazer essa separação.”

Sobre o momento atual das águias, Gonçalo Almeida analisa o trabalho de Rui Costa.

“Tenho o maior carinho pelo atual presidente, é uma pessoa simpática, afável e um grande benfiquista. É um homem que ama o Benfica, mas não me revejo na gestão atual.”

Gonçalo Almeida garante que esta opinião não mudaria com títulos: “Isso é na cabeça do adepto talibã. Se é campeão, nada mais interessa e está tudo bem. Não penso assim. O maior problema de Rui Costa é não saber delegar nem escolher as pessoas certas para determinados cargos. Vejo pela minha área, por exemplo. O departamento jurídico do Benfica não tem um diretor e isso é impensável quando falamos na maior marca nacional.”

Gonçalo Almeida recorda ainda as principais virtudes e defeitos do anterior presidente e do atual: “Virtude de Vieira é que era um trabalhador incansável, defensor dos interesses do clube, e o defeito foram algumas companhias. Sobre Rui Costa a grande virtude é ser um grande benfiquista e o que percebe de futebol. O maior defeito é a incapacidade nata de gerir o clube porque não estudou para isso. Luís Filipe Vieira também não estudou, mas foi formado pela universidade da vida. Rui Costa foi jogador de futebol, ponto. Se estivesse rodeado pelas pessoas certas seria um excelente presidente.”

Últimas