Ontem Já Era Tarde

Jorge Andrade: “Quando jogava a minha série preferida eram as ‘Donas de Casa Desesperadas’. Aprende-se muito com as mulheres” 

Foi um dos melhores centrais portugueses da sua geração. Formado no Estrela da Amadora, onde deu nas vistas, brilhou no FC Porto, fez carreira internacional no Deportivo da Corunha, atingindo as meias-finais da Champions, e chegou à Juventus onde terminaria a carreira. Pela Seleção Nacional, foi figura de destaque nas campanhas do Euro 2004 e do Mundial 2006, sob o comando de Luiz Felipe Scolari. Mas por trás do central duro, nascido e criado na Amadora, havia um lado inesperado.

Luís Aguilar

Em conversa com Luís Aguilar, no podcast Ontem Já Era Tarde, Jorge Andrade revela um gosto pouco convencional para quem se habituou a vê-lo a travar os melhores avançados do mundo.

“Quando jogava, a minha série preferida eram as Donas de Casa Desesperadas. Vi as oito temporadas. Acalmava-me”, confessa. E não foi apenas passatempo: foi observação atenta: “Gostava de ver as várias personalidades dessas mulheres, como pensavam, como se organizavam, como também faziam as suas maldades. Aprende-se muito com as mulheres”.

“Parti o nariz, os dentes, o quinto metatarso... Ainda hoje acordo com dores no joelho. Estou todo torto”

Jorge Andrade foi um dos centrais mais respeitados da sua geração, mas o corpo pagou caro por cada duelo. O antigo internacional português revelou as mazelas com que vive desde que pendurou as chuteiras. “Parti os dentes, parti o nariz, parti o quinto metatarso… estou todo torto”, descreve com humor e realismo.

As lesões marcaram a sua trajetória — e não ficaram no passado. “Tenho dores no joelho todos os dias. Se jogar à bola, jogo uma vez por ano. Não dá para mais. Ainda tenho ferros no joelho.”

“Fernando Santos foi dos treinadores que mais me marcou e Mourinho o que mais me irritou”

Entre outros, dois treinadores marcaram-no, mas por motivos opostos. “Fernando Santos, sem dúvida, porque foi o primeiro e o que me levou para a equipa principal do Estrela”, começou por dizer, destacando também Miguel Quaresma, com o qual trabalhou na formação do clube amadorense, e que mais tarde viria a pertencer à equipa técnica de Jorge Jesus: “O Miguel foi o que mais me marcou porque desde os 14 anos começou logo a incutir-me o espírito de ser profissional. Dos horários, do treino, do alto rendimento. Foi ele que mudou a minha visão sobre o futebol.”

Já sobre José Mourinho, com quem trabalhou no FC Porto, a memória é diferente, mas encarada de forma divertida: “Foi o treinador que mais me irritou. Chegou com aquela atitude de muita confiança, parecia que sabia tudo. Só que ele sabia mesmo e eu é que não vi logo que era mesmo um treinador especial”, admitiu, entre risos, ao recordar o impacto do técnico quando substituiu Octávio Machado nos dragões. “Eu ainda não tinha feito o luto da saída do Octávio.”

Jorge Andrade lembra até o desconforto inicial: “Mourinho chegava, virava-se para mim e dizia ‘Então, sócio?’. E eu ficava a pensar: ‘Sócio? Ainda não temos relação para isso… Na Amadora não há sócios’”, brincou. Hoje, a relação entre os dois é próxima e o ex-jogador revela que a irritação inicial deu lugar à admiração.

“Hoje na formação não ensinam os miúdos a defender. É só saída de bola e depois não sabem fazer faltas”

Jorge Andrade aponta o dedo ao modo como os treinadores preparam os defesas na formação: “Muitos treinadores aplicam modelos como se os miúdos fossem profissionais. Não faz sentido que os meninos estejam a fazer saídas de bola como se fosse a primeira equipa. Quando têm dificuldades sem bola, ficam perdidos”

O ex-jogador do Estrela da Amadora, FC Porto, Deportivo e Juventus, com 51 internacionalizações por Portugal, lamenta que os princípios básicos da arte de defender estejam a desaparecer em nome da construção com bola: “Hoje na formação não ensinam os miúdos a defender. É só saída de bola. Depois não sabem quando fazer falta, onde fazer falta e isso nota-se muito nos centrais. Sempre que encontramos um central que defenda melhor, parece logo um super central.”

Não diminuindo a importância dos centrais saberem sair a jogar, Jorge Andrade mostra a forma como o futebol tem mudado nesse aspeto: “No meu tempo, eu e o Ricardo Carvalho éramos exceções pela forma como sabíamos sair com bola. Hoje em dia é ao contrário”, revela o ex-internacional português que contabilizou 51 internacionalizações.

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