Em conversa com Luís Aguilar, no podcast Ontem Já Era Tarde, Jorge Andrade revela um gosto pouco convencional para quem se habituou a vê-lo a travar os melhores avançados do mundo.
“Quando jogava, a minha série preferida eram as Donas de Casa Desesperadas. Vi as oito temporadas. Acalmava-me”, confessa. E não foi apenas passatempo: foi observação atenta: “Gostava de ver as várias personalidades dessas mulheres, como pensavam, como se organizavam, como também faziam as suas maldades. Aprende-se muito com as mulheres”.
“Parti o nariz, os dentes, o quinto metatarso... Ainda hoje acordo com dores no joelho. Estou todo torto”
Jorge Andrade foi um dos centrais mais respeitados da sua geração, mas o corpo pagou caro por cada duelo. O antigo internacional português revelou as mazelas com que vive desde que pendurou as chuteiras. “Parti os dentes, parti o nariz, parti o quinto metatarso… estou todo torto”, descreve com humor e realismo.
As lesões marcaram a sua trajetória — e não ficaram no passado. “Tenho dores no joelho todos os dias. Se jogar à bola, jogo uma vez por ano. Não dá para mais. Ainda tenho ferros no joelho.”
“Fernando Santos foi dos treinadores que mais me marcou e Mourinho o que mais me irritou”
Entre outros, dois treinadores marcaram-no, mas por motivos opostos. “Fernando Santos, sem dúvida, porque foi o primeiro e o que me levou para a equipa principal do Estrela”, começou por dizer, destacando também Miguel Quaresma, com o qual trabalhou na formação do clube amadorense, e que mais tarde viria a pertencer à equipa técnica de Jorge Jesus: “O Miguel foi o que mais me marcou porque desde os 14 anos começou logo a incutir-me o espírito de ser profissional. Dos horários, do treino, do alto rendimento. Foi ele que mudou a minha visão sobre o futebol.”
Já sobre José Mourinho, com quem trabalhou no FC Porto, a memória é diferente, mas encarada de forma divertida: “Foi o treinador que mais me irritou. Chegou com aquela atitude de muita confiança, parecia que sabia tudo. Só que ele sabia mesmo e eu é que não vi logo que era mesmo um treinador especial”, admitiu, entre risos, ao recordar o impacto do técnico quando substituiu Octávio Machado nos dragões. “Eu ainda não tinha feito o luto da saída do Octávio.”
Jorge Andrade lembra até o desconforto inicial: “Mourinho chegava, virava-se para mim e dizia ‘Então, sócio?’. E eu ficava a pensar: ‘Sócio? Ainda não temos relação para isso… Na Amadora não há sócios’”, brincou. Hoje, a relação entre os dois é próxima e o ex-jogador revela que a irritação inicial deu lugar à admiração.
“Hoje na formação não ensinam os miúdos a defender. É só saída de bola e depois não sabem fazer faltas”
Jorge Andrade aponta o dedo ao modo como os treinadores preparam os defesas na formação: “Muitos treinadores aplicam modelos como se os miúdos fossem profissionais. Não faz sentido que os meninos estejam a fazer saídas de bola como se fosse a primeira equipa. Quando têm dificuldades sem bola, ficam perdidos”
O ex-jogador do Estrela da Amadora, FC Porto, Deportivo e Juventus, com 51 internacionalizações por Portugal, lamenta que os princípios básicos da arte de defender estejam a desaparecer em nome da construção com bola: “Hoje na formação não ensinam os miúdos a defender. É só saída de bola. Depois não sabem quando fazer falta, onde fazer falta e isso nota-se muito nos centrais. Sempre que encontramos um central que defenda melhor, parece logo um super central.”
Não diminuindo a importância dos centrais saberem sair a jogar, Jorge Andrade mostra a forma como o futebol tem mudado nesse aspeto: “No meu tempo, eu e o Ricardo Carvalho éramos exceções pela forma como sabíamos sair com bola. Hoje em dia é ao contrário”, revela o ex-internacional português que contabilizou 51 internacionalizações.