Mais tarde, transferiu-se para a Real Sociedad e, após três épocas em Espanha, teve nova oportunidade de regressar ao clube do coração.
“Voltei com aquela vontade de ganhar um campeonato e jogar uma Champions pelo Sporting. Consegui ambas”, recorda.
Mas apenas 15 dias depois de assinar novamente pelos leões, no verão de 2000, surgiu uma proposta que poucos recusariam: “Os dirigentes do Sporting na altura podem confirmar. O Real Madrid quis contratar-me e estava nas minhas mãos.”
Sá Pinto tinha dado nas vistas na liga espanhola. Especialmente num jogo em que deixou Roberto Carlos, um dos melhores laterais-esquerdos da história, em agonia.
O Real não ficou indiferente. Florentino Pérez, já então presidente dos merengues, chegou a afirmar publicamente que faltava pouco para que Sá Pinto se juntasse a Luís Figo, o primeiro galáctico da sua era. E Figo também fez pressão para voltar a ter Sá Pinto ao seu lado. Ambos tinham sido colegas nos leões e passaram muito anos a jogar lado a lado na Seleção Nacional.
Mas o negócio não se concretizou. “O Sporting seria ressarcido em dinheiro e com jogadores. Se eu quisesse sair, tinha saído. Mas, por incrível que pareça, disse não ao Real Madrid. Tinha acabado de voltar ao meu clube e trair o Sporting não é a minha forma de estar.”
Sá Pinto admite que a decisão não foi fácil e garante que, se estivesse noutro clube estrangeiro, talvez não hesitasse. Mas o sportinguismo falou mais alto.
A escolha acabou por ser recompensada. Em 2001/2002, já em Alvalade, foi peça importante na equipa que conquistou o título nacional, orientada pelo romeno Lazslo Boloni, e ao lado de nomes como Schmeichel, João Vieira Pinto ou Jardel - que lhe tinha escapado na primeira passagem pelo clube.
“No Vasco da Gama treinava ao lado da Cidade de Deus. Os treinos eram interrompidos por causa de rusgas e tiros”
Portugal, Sérvia, Grécia, Arábia Saudita, Bélgica, Polónia, Brasil, Turquia, Irão, Chipre ou Marrocos. Estes são alguns dos países onde Sá Pinto já treinou. Um técnico com ADN multicultural, disposto a cruzar fronteiras para estar no banco. Meio a brincar, diz que a próxima paragem “será na Patagónia”.
Mas foi no Brasil, ao serviço do Vasco da Gama, que viveu uma das experiências mais marcantes: “Adorei o Rio de Janeiro. Está entre os sítios onde mais gostei de viver. Costumo dizer, no melhor sentido, que o Rio é uma selva que adotou uma cidade. Vivia perto de um pântano onde cheguei a ver cobras enormes e jacarés. Adoro aquela harmonia entre a natureza, a cidade e as pessoas.”
No entanto, a ligação do futebol com a realidade social revelou-se intensa. “O nosso centro de estágio era ao lado da Cidade de Deus. Cheguei a parar treinos por causa de tiros. Havia rusgas e os traficantes disparavam para avisar que a polícia estava a entrar na favela.”
A primeira vez apanhou Sá Pinto desprevenido. “Foram os jogadores que me alertaram: ‘Mister, dá para parar o treino e regressar aos balneários? Pode haver uma bala perdida.’”
Os perigos não se limitavam ao ambiente externo. Durante um treino, elementos de uma claque do Vasco, com ligações a fações violentas da favela, invadiram o campo para confrontar a equipa.
O momento foi gravado e tornou-se viral. Com o grupo receoso, Sá Pinto não hesitou em intervir.
“Se tive medo? Estava a ferver por dentro. Mas tinha de ser. Tinha de defender os jogadores. Felizmente, os adeptos acalmaram e não aconteceu nada. Acho que houve ali uma mão divina que me protegeu… e talvez os tenha iluminado também. Mas podia ter acabado muito mal.”
“A pressa de vender o Trincão ao Barcelona atrasou-lhe a carreira”
Sá Pinto orientou o Braga na época 2019/2020, antes de sair e dar lugar a Rúben Amorim. Apesar de ter sido com o atual treinador do Manchester United que Francisco Trincão mais brilhou, foi com Sá Pinto que o extremo se afirmou na primeira equipa dos minhotos.
“A estreia dele foi com o Abel Ferreira, mas comigo passou a ser uma aposta segura. Foi comigo que se tornou titular, marcou o primeiro golo, jogou pela primeira vez nas competições europeias…”, recorda o técnico.
Sá Pinto considera Trincão um dos jogadores mais talentosos que já treinou, mas acredita que a saída precoce para o Barcelona — por mais de 30 milhões de euros — prejudicou o seu percurso.
“Já não estava no Braga quando foi vendido, mas o caminho natural era permanecer mais tempo, sair para um clube como o Sporting e, depois, sim, dar o salto para um gigante europeu. Nessa altura, ainda não estava preparado para um desafio como o Barcelona. Perdeu quatro anos à volta de negócios feitos à pressa, mas que interessavam.”
Para Sá Pinto, é essencial construir um trajeto sólido antes de se avançar para os principais campeonatos europeus. Como treinador, revela que José Mourinho é a sua maior referência. “Nunca fui treinado por ele, mas acompanhei o seu trabalho no Inter e no Real Madrid. É o melhor de todos. Acho profundamente injusta e ingrata a forma como o tratam nos últimos anos. Sempre a desvalorizar. É uma tristeza que não consigo aceitar. É, de longe, o melhor.”
Questionado sobre o colega mais talentoso com quem jogou, a resposta surge sem hesitação: “Tive muitos, mas se tiver de escolher um, Figo.” Já quanto aos defesas mais difíceis de enfrentar, destaca vários — mas um nome sobressai: Hierro, figura incontornável da história do Real Madrid.