Geração 70

Ana Bacalhau: “Pedia à minha mãe para não ir à escola porque gozavam comigo”

Cantora e voz ativa na luta contra a obesidade, Ana Bacalhau conta que foi vítima de bullying e ainda hoje vive com “marcas”, recorda os tempos dos Deolinda, da Troika e de quando a música “Parva que eu sou” se tornou uma “arma de arremesso político”.

TIAGO MIRANDA

Bernardo Ferrão

Mariana Óca Ferreira

Nasceu em 1978, em Lisboa. Vivia em Benfica com os pais, os avós maternos, a bisavó e o gato. Os verões eram passados na aldeia dos avós, em Carvalhal de Mouraz, Tondela. Em criança passava os dias a andar no baloiço construído pelo avô Mário.

Os pais eram despachantes oficiais e ficaram desempregados aos 40 anos. “Foi um trauma familiar.” Eram muito “poupadinhos” e talvez seja por isso que é filha única. “Mas nunca me faltou nada, nem comida na mesa, nem livros para estudar.”

Ainda sem saber ler, já adorava livros, principalmente os de banda desenhada. Gostava de comer e começou a ganhar peso antes de entrar na primária. Em casa nunca houve muito cuidado com a alimentação, a avó tinha passado fome e para ela “era uma alegria ver a netinha comer.”

“Pedia à minha mãe para não ir à escola porque gozavam comigo”

Na escola, o apelido Bacalhau e o excesso de peso tornaram-na “um alvo fácil”. Foi vítima de bullying, “coisa que na altura nem tinha nome.”

“Pedia à minha mãe para não ir à escola porque gozavam comigo. Deixou marcas e ainda hoje não sou boa a defender-me.”

Em adolescente, tornou-se uma rapariga insegura, totalmente diferente da criança de 5 anos que ia ao pão sozinha. “Tinha medo de atender telefonemas, de abrir a porta de casa”, recorda.

“Fiquei vidrada com o Slash a tocar guitarra”

A música ajudou-a a ultrapassar algumas dessas “marcas”. Tudo começou quando viu os Guns N' Roses na televisão: “Fiquei vidrada com o Slash a tocar guitarra.”

Nas aulas percebeu que “não era uma grande guitarrista”, mas soube logo que era uma “boa cantora”. Naquela “mistura de estilos” - entre o Grunge e Hippie - começou a dar as primeiras pisadas na música nos anos 90. Na altura só cantava para o gato, o “bolinhas”. Mais tarde, no secundário, fazia parte do “grupo dos fixes” e tocava nos intervalos das aulas.

Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas, na Faculdade de Letras, em Lisboa. Queria ser professora de português e inglês, a música ainda era só um hobby. Foi a primeira licenciada da família e para os pais era importante que a filha tivesse um bom emprego. “Para eles, a música era o anticristo do emprego seguro.”

Terminou o curso quando o país estava “cheio de professores”, no início dos anos 2000. “Não dava para viver da música” e em 2006 foi parar ao arquivo do Ministério das Finanças e até trabalhou nos Serviços de Águas Municipais da Amadora.


“Parva que eu sou”

Em 2009 abandonou a profissão de arquivista e dedicou-se ao grupo Deolinda. Em 2011, deu voz à música “Parva que eu sou” - uma das canções que marcou uma geração e um país nas mãos da Troika.

Em 2017, depois da pausa dos ‘Deolinda’, começou uma carreira a solo. “Tinha sido mãe há 4 meses e foi tudo assustador.” “Deu certo” e hoje é uma das artistas mais reconhecidas do país.

Durante a conversa, deixa ainda críticas ao país que agora “chora” pela falta de professores” e recorda os tempos dos Deolinda, da Troika e de quando a música “Parva que eu sou” se tornou uma “arma de arremesso político”. Sobre o regresso do grupo? Estão “numa pausa prolongada”.


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