Geração 70

Sandra Tavares da Silva: "Achavam que a minha mãe era espia. Sempre que ia à Suíça e regressava era interrogada"

Nasceu em 1971, nos Açores. Regressou a Lisboa aos três anos com os pais e as duas irmãs. Os fins de semana eram passados na quinta do avô, em Alcochete. Começou a pisar uvas muito cedo, ajudava o avô na vindima. Da janela do quarto via a adega da família, hoje é considerada pelo Financial Times uma das “melhores enólogas do mundo”. Em conversa com Bernardo Ferrão, Sandra Tavares da Silva conta que depois do 25 de Abril, chegaram “a ser recebidos pelos empregados de enxada da mão. Queriam invadir a propriedade”.

Bernardo Ferrão

Mariana Óca Ferreira

A quinta estava na família há três gerações. Era do bisavô que, muito novo, foi trabalhar para Lisboa “só com um saco às costas”. Ficou com a mercearia do patrão e ergueu um “império de mercearias” na capital. A quinta da família era “fornecedora” do negócio.

O pai passava longas temporadas longe de casa. “Era duro.” A mãe, suíça, trabalhava como intérprete para empresas internacionais mas deixou tudo para cuidar das três filhas.

“Vivíamos bem com o que tínhamos. A minha mãe fazia-nos camisolas de tricô, reciclávamos as roupas. O que dava para uma dava para as outras irmãs”, recorda.

A família era “recatada”. Os pais não falavam muito de política, mas lembra-se da “tensão” e do ambiente de “insegurança” que viveu antes e depois do 25 de Abril. A mãe, “por ser suíça e casada com um militar”, era “perseguida” pela PIDE.

“Achavam que a minha mãe podia ser espia. Sempre que ia à Suíça e regressava era interrogada. Havia um plano de fuga, se acontecesse alguma coisa podiam vir buscar-nos”, conta.

Depois da Revolução, o país estava a ferro e fogo - com sucessivas ocupações, confrontos nas ruas, ataques a sedes partidárias - para proteger a quinta da família, o pai montou um “acampamento de fuzileiros”.

“Chegámos a ser recebidos pelos empregados de enxada da mão”. Queriam invadir a propriedade. Abanaram o carro do meu pai. Mataram cavalos e roubaram alguns bens.”

A Sandra era uma criança “tímida, calada” e com complexos com a altura. Em adolescente, jogou na Seleção Nacional de voleibol e com 17 anos começou uma carreira como modelo. “O mundo da moda é deslumbrante e cruel ao mesmo tempo.”

Sempre soube que não ia viver da moda e que “aos 25 anos já seria velha para ser modelo”. Enquanto desfilava na ModaLisboa estudava agronomia e depois da licenciatura foi para Itália tirar um mestrado em Enologia.

Uma das grandes desilusões foi não ter ficado com a quinta do avô. “Chorei durante meses”, conta. Hoje é proprietária da Quinta da Chocapalha e de outras três propriedades onde produz milhares de vinhos e leva a cultura portuguesa a quase 30 países.

Sandra Tavares da Silva é a mais recente convidada do podcast “Geração 70”. Já foi considerada pelo Financial Times uma das “melhores enólogas do mundo”. Foi modelo e jogadora profissional de voleibol. Numa conversa com Bernardo Ferrão, fala sobre a infância na quinta do avô e da paixão, que sempre teve, pela terra e pelas vinhas. Recorda os momentos de aflição que viveu com a família durante o Verão Quente e a perseguição que fizeram à mãe “por ser Suíça e casada com um militar.”

“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.

Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.

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