Geração 70

David Fonseca: "Não cresci a ouvir música portuguesa, sou produto de uma coisa diferente"

Criou os Silence 4 depois de desistir de um curso universitário. Saiu de Lisboa e regressou a casa dos pais em Leiria e não tinha nada para fazer. David Fonseca arrastava-se de esplanada em esplanada. Entrou na música “por tédio”, mas rapidamente chegou aos tops das rádios e ganhou “muito dinheiro". Em conversa com Bernardo Ferrão, David Fonseca fala ainda dos obstáculos que teve na sua carreira musical, na falta de apoios do Estado e das críticas por cantar em inglês.

José Fernandes

Bernardo Ferrão

Mariana Óca Ferreira

David Fonseca foi um miúdo tímido. O típico nerd que usava óculos e não gostava de jogar à bola. Filho de um bancário e de uma professora, nasceu em Marrazes, Leiria, em 1973. Hoje, a aldeia onde foi “livre” e “andava pelo campo” com os amigos, “virou dormitório”.

Na escola era um rapaz fechado, chegou a ser o melhor aluno, as aulas e os livros foram o seu refúgio. A entrada na primária foi de grande desilusão por não ter tido a mãe como professora. “Foi terrível, no 1.º ano acho que não brinquei uma única vez no recreio, ia sempre ter com a minha mãe, ela passava-se comigo, dizia que não podia ser. Eu estava literalmente agarrado às saias da minha mãe."

Os pais ainda vivem na terra, onde construíram uma vivenda. David lembra-se que naqueles anos “todas as pessoas faziam vivendas sem a parte de baixo. Primeiro construíam a parte de cima, começavam pelo telhado. Depois iam acabando a casa aos poucos”.

“Os meus pais continuam a tomar conta do jardim, estão sempre a dizer as coisas que ainda têm por fazer. Herdei isso deles, há sempre uma coisa que ainda está por fazer, por realizar, que ainda não está completa.”

Em Peniche, em casa do avô materno não se discutia política. Ele “proibiu” essas conversas. Ficou muito marcado com o 25 de Abril: “O meu avô era construtor naval, fazia barcos em Peniche, e era visto como um capitalista e na altura foi complexa a passagem para a democracia, porque a empresa passou para outras mãos”.

David Fonseca não se alonga na política, mas não foge ao assunto: foi durante a juventude que percebeu a politização do país, num comício de Sá Carneiro, levado por uma tia. Lembra-se da morte do ex-primeiro-ministro e da “tristeza” dos pais. “Senti que havia da parte deles uma preocupação política com o estado do nosso país, as frustrações com os governos consecutivos que caíam. Um pouco a ideia de um país que não se conseguia segurar”, recorda.

E os Silence 4? “Entrei na música por tédio”. David Fonseca ainda veio para Lisboa para um curso de design de Comunicação, mas rapidamente percebeu que não era aquilo que queria: “Mal devo ter ido às aulas”.

Regressa a casa dos pais e, sem amigos à volta, passa “longos dias de tédio. Ia para uma esplanada, o que ainda hoje odeio fazer, mas não havia mais nada. Tinha aprendido a tocar guitarra recentemente e, do nada, decide criar uma banda – “tinha conhecido a Sofia Lisboa numa esplanada onde estava a cantar”. Fez uma lista com uns 50 nomes para a banda e disse-lhes: “acho que o último desta lista é o que deve ser: Silence 4. Gostava muito da ideia de ter um número dentro do nome da banda”.

O sucesso chegou rapidamente. “Ganhei muito dinheiro com o primeiro disco, vendemos 240 mil, números absurdos para os dias que correm. Tornei-me uma vedeta nacional. Muito complicado para o rapaz tímido e fechado". Nessa altura ainda vivia com os pais que só se aperceberam do sucesso do filho quando o viram na tv, num programa do Herman José: “Mas que raio...para quem tinha nascido nos Marrazes era uma coisa absurda eu estar ali”, confessa com um sorriso rasgado e orgulhoso.

Nesta conversa com Bernardo Ferrão, David Fonseca fala ainda dos obstáculos que teve na sua carreira musical, na falta de apoios do Estado e das críticas que teve de ouvir por cantar em inglês. “Fui muito mal compreendido, parecia que estava a trair uma identidade da música portuguesa que tinha demorado tanto tempo a construir”. Mas não era nada disso, explica, “eu não cresci a ouvir música portuguesa, eu sou produto de uma coisa diferente”.

“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.

Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.

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