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6 meses da Direção Executiva do SNS: uma dúvida e uma constatação

Opinião de Tiago Correia. Alguns insistem na ideia que ao Ministro da Saúde cabe a dimensão política das decisões, enquanto ao Diretor Executivo do SNS caberá a dimensão técnica. Contrariei este argumento já em dezembro e reafirmo-o agora por vários motivos.

O diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde, Fernando Araújo
RODRIGO ANTUNES

Tiago Correia

A entrevista do Diretor Executivo do SNS, Fernando Araújo, ao Expresso a propósito dos 6 meses do organismo que dirige é digna de leitura. O que ele pensa ajuda a decifrar o momento atual e o que esperar do futuro. Se tudo correr como Araújo deseja, o SNS que o país terá é aquele que vai surgindo agora das suas palavras.

Da entrevista retiro uma dúvida e uma constatação, além das muitas medidas que visam a simplificação. Se há coisa em que Fernando Araújo tem mérito isso inclui: as baixas médicas serem passadas nos hospitais públicos e no setor privado; o prolongamento das baixas por doença oncológica; a medicação crónica ser levantada sem receita; ou o alargamento do horário de funcionamento dos centros de saúde durante o fim de semana.

A dúvida

A Direção Executiva do SNS é um lugar técnico ou político? É a pergunta fundamental que continua sem resposta clara. A dúvida adensa-se pelo facto de os estatutos deste organismo continuarem por aprovar. Mais do que isso, talvez, o atraso dessa decisão reflete a falta de consenso que existirá sobre o poder a dar à Direção Executiva e sabe-se que Fernando Araújo apresentou a sua proposta logo em janeiro.

Alguns insistem na ideia que ao Ministro da Saúde cabe a dimensão política das decisões, enquanto ao Diretor Executivo do SNS caberá a dimensão técnica.

Contrariei este argumento já em dezembro e reafirmo-o agora por vários motivos.

Primeiro, porque Fernando Araújo tem um passado político como Secretário de Estado da Saúde e isso é ainda mais claro ao ver que as medidas que tentou implementar como político coincidem com a sua visão de Diretor Executivo.

Segundo, porque é discutível dizer que há decisões sem ideologia. Não é o lugar de aprofundar este tema, mas tanto é ideológico Marta Temido ter remetido os privados como “último recurso” no auxílio ao SNS, como é trazê-los como “primeiro recurso”, tal como Araújo tem feito.

Terceiro, porque não há boas decisões políticas sem competência técnica e não quero acreditar que a figura do Diretor Executivo do SNS signifique um atestado de incompetência técnica do(a) Ministro(a) da Saúde.

A aposta de Fernando Araújo em alterar o funcionamento do SNS – ao extinguir as Administrações Regionais de Saúde e expandir os Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) nos hospitais e as Unidades Locais de Saúde (ULS) para agregar hospitais e centros de saúde – é o melhor exemplo da sobreposição entre a dimensão técnica e política.

O ponto aqui não é a crítica a estas soluções, mas sim colocar a dúvida sobre se estas soluções competem ao Diretor Executivo do SNS ou ao Ministro da Saúde. Uma coisa é a Direção Executiva concretizar a visão política do ministério. Outra bem diferente é o Diretor Executivo traçar o rumo político do ministério. Deixo a pergunta: em caso de insucesso destas soluções, a culpa é técnica ou política?

A constatação

O mais fantástico desta entrevista é comprovar uma tese que venho dizendo: o problema da saúde reside menos na necessidade de novas leis e mais na inação de quem decide.

Não é um simples pormenor Fernando Araújo ter dito que os profissionais do Centro Hospitalar do Oeste e de Lisboa Norte tenham aceitado trabalhar noutros hospitais enquanto estes serviços estiverem encerrados. Não só mostraram disponibilidade para o fazer, como o aceitaram sem que o regime legal que o exigisse.

Também não é um simples pormenor o facto de os privados terem aceitado as condições para complementar o funcionamento do SNS quando for necessário. Recorde-se a dificuldade de Marta Temido para fechar acordos com os privados durante a pandemia, tendo chegado a dizer que se não havia mais acordos era porque os privados não tinham interesse. Estes obstáculos desapareceram como que por passo de mágica.

Isto diz que a solução para o SNS nem sempre passa por uma visão legalista ou jurídica dos problemas. Uma linha de comando reconhecida, apaziguadora e em quem o setor confia é mais eficaz do que a melhor lei de todas.

No caso da Direção Executiva isto é ainda mais verdade dada a ausência de estatutos e o facto de Fernando Araújo reconhecer que isso pouco ou nada o tem limitado. Sem estatutos, não haverá mandato legal para muito do que está a ser feito, mas isso importa menos do que a força do mandato político que Araújo recebeu do Ministro e do setor.

Esta é a sua principal arma, saiba protegê-la. Tivesse o SNS vários líderes com semelhante grau de reconhecimento e, porventura, muitas das reformas em cima da mesa seriam desnecessárias.

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