Portugal está a violar os direitos sociais europeus na questão do aborto. Apesar da interrupção da gravidez até às 10 semanas ser um direito consagrado desde 2007, em várias zonas do país não há acesso a esse cuidado de saúde. Para o especialista em Saúde Internacional Tiago Correia, o problema não está na lei, não é restrito à região dos Açores e é urgente garantir “a rapidez, a simplicidade e sobretudo a privacidade do procedimento”.
"A lei demonstrou ter todos os mecanismos necessários para conseguir ser efetivamente implementada. Várias entidades na área da saúde ao longo destes anos, desde 2007, foram criando normas e orientações para afinar a lei no sentido de assegurar o seu eficaz cumprimento", explica Tiago Correia.
Contudo, verifica-se que em 13 hospitais do Serviço Nacional de Saúde - quase um terço do total de 44 - não fazem interrupção da gravidez por vontade da mulher.
“Vemos que há aqui um cumprimento das autoridades que fiscalizam a ação das autoridades de saúde, nomeadamente a Entidade Reguladora da Saúde, que tem emitido várias deliberações, muitas vezes punitivas, das organizações de saúde, do SNS, que não garantem o eficaz cumprimento desta lei, e estas punições coimas que podem ir dos 1.000 aos 44.000 euros”, esclarece o comentador da SIC.
O professor de Saúde Internacional considera que a lei em Portugal “está bem blindada, mas não é claro o que está aqui em causa. Não se sabe exatamente porque é que há um número tão grande de hospitais onde não se realiza a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG)”.
Tiago Correia admite várias explicações para esta situação:
“Pode ser por falta de recursos humanos, por objeção de consciência, que é um direito que a lei da IVG consagra, na medida em que os profissionais têm o direito de não querer realizar esse procedimento, mas a lei também é muito segura nas alternativas que dá às mulheres para que no caso desses profissionais que não queiram realizar esse procedimento, haver soluções que sejam rápidas, simples e que protejam a privacidade das mulheres”.
O especialistas admite que os profissionais objetores de consciência “acabam por criar dificuldades às mulheres, acabam por puni-las, por julgá-las”.
Punição de Itália vs Portugal
Tiago Correia explica que o Comité Europeu foi muito claro na punição de Itália. Portugal esteve alinhado nessas críticas, mas o número de hospitais que não realiza o procedimento é equivalente aquele que se verifica em território italiano.
“Acho que há aqui uma certa hipocrisia das autoridades portuguesas por penalizar um estado membro da UE por fazer uma coisa que, pelos sinais que vamos tendo, revela que Portugal pune os outros, mas deixa que uma situação semelhante possa estar a acontecer”.
Dadas as circunstâncias, Portugal tem todas as condições para vir a ser condenado. “Não é uma lei com uma imposição legal, mas há aqui uma imposição tácita e há aqui um desrespeito que é uma má montra para Portugal no espaço europeu”, defende o comentador da SIC.
Alerta para a lei da eutanásia
Tiago Correia realça ainda o “desleixo, despreocupação na implementação da lei, o que pode vir a acontecer com a lei da eutanásia” e sublinha a importância de garantir alternativas seguras e eficazes, no caso dos profissionais objetores de consciência impossibilitarem o acesso a estes cuidados de saúde.
“O que não é uma alternativa seguramente é dizer às mulheres açorianas que têm de fazer milhares de quilómetros para vir até Lisboa, comprometendo a rapidez, a simplicidade e sobretudo a privacidade do procedimento”, conclui.