Saúde e Bem-estar

A saúde no Verão de 2023 (parte 2/2): a cabeça do ministro a prémio?

Opinião de Tiago Correia. Se há área da governação em que é arriscado fazer prognósticos, essa área é a saúde. Basta um acontecimento fatídico com leitura política para virar o jogo do avesso.
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Tiago Correia

Não é possível olhar para o plano das urgências de ginecologia/obstetrícia e blocos de partos desenhado entre junho e setembro sem pensar em riscos políticos. Afinal, o calvário de Marta Temido começou assim há um ano. Estará a cabeça de Manuel Pizarro novamente a prémio?

A resposta não é fácil e talvez não seja o aspeto mais importante por agora. Mais do que especular sobre a consequência política, importa ir medindo o pulso ao momento. Se há área da governação em que é arriscado fazer prognósticos, essa área é a saúde. Basta um acontecimento fatídico com leitura política para virar o jogo do avesso.

Foi isto que tracei há um ano: disse que o erro inicial de Marta Temido tinha sido o facto de encarar o problema das urgências como inesperado, circunscrito e circunstancial; que a sua sobrevivência não dependia da maioria absoluta, do primeiro-ministro combativo nem das vitórias do passado (referência à pandemia) perante o acumular de críticas, incluindo do Presidente da República; que a oposição dos médicos estava a crescer e que se vivia um verão quente. A demissão de Marta Temido surge após a um episódio fatídico envolvendo uma grávida. Embora não tenha havido um motivo político direto e deliberado da governante, falou mais alto o desgaste provocado por problemas estruturais, o seu isolamento no governo e no partido e as costas voltadas do PR e dos profissionais de saúde.

O que diz o atual momento político do ministro Manuel Pizarro?

A diferença de timing ajudou

Ao contrário de Marta Temido, que reagiu à falta de médicos para manter as urgências e blocos de partos em funcionamento já com o problema na agenda mediática e de ter optado por desvalorizar a dimensão estrutural do assunto, Manuel Pizarro apresentou o plano para o verão de 2023 ainda em maio, antes da difícil semana dos feriados em junho. Além disso, reconheceu de antemão os constrangimentos e as soluções. De forma simples e clara sabe-se até setembro quais os serviços fechados e onde encontrar alternativas num mapa público e de simples visualização.

Baixo desgaste político

Além disso, Manuel Pizarro ainda não esvaziou o balão de oxigénio com que entrou em funções em setembro de 2022. Na altura disse que ele tinha o perfil indicado para o momento e isso tem-se demonstrado. Convém é não esquecer que se passa de bestial a besta num ápice…

Esse oxigénio é dado pelo pouco tempo de governação, mas também por retomar políticas postas de lado por Marta Temido e que motivaram críticas do setor e de Marcelo Rebelo de Sousa (as convenções com o setor privado). É significativo o atual silêncio do PR em relação ao SNS, apesar das notícias sobre falta de vacinas, de liderança da DGS ou de médicos para preencher vagas.

Também significativo é a oposição ter baixado o volume da contestação. Parece que o plano para as urgências de ginecologia/obstetrícia e blocos de partos afinal reúne um amplo consenso da esquerda à direita. Isto é de notar porque em momentos anteriores, incluindo no tempo de Marta Temido, a oposição foi muito vocal contra o problema e as soluções.

O facto de os profissionais de saúde ainda terem expectativa com o desfecho das negociações das suas carreiras também justifica mobilizações corporativas ainda em níveis baixos. Mas, a janela temporal já não é larga e será durante o verão que alguma coisa pode mudar.

Um novo rosto, uma nova estrutura

Talvez o principal motivo para o baixo desgaste do ministro seja a nova estrutura do SNS, a Direção Executiva com Fernando Araújo como CEO. Não deixa de ser irónico, porque Marta Temido não chegou a sentir na pele esta mudança. Parece mesmo que a sua criação funciona como para-raios do ministro da saúde.

Ainda com estatutos por aprovar, coisa que só agrava o problema que a criação da Direção Executiva tem por missão resolver – vazios, sobreposições e indefinições de autoridade no SNS –, Fernando Araújo tem conseguido trazer mudanças. A maior de todas será mesmo a compra de tempo que permite manter o oxigénio no balão do ministro.

Tenho como hipótese académica que o facto de passar a haver, neste caso, dois homens engravatados a falar em nome do SNS confunde o atirador sob a quem apontar a mira das culpas.

Já chegámos a junho – assim será até setembro – e afinal, o plano temporário de fecho rotativo de urgências de dezembro parece ter ganhado raízes. Não é a solução que me causa estranheza, mas a menor intensidade da carreira de tiro…

Afinal, o que diz o atual momento político?

Perante tudo isto, e sob condição do plano não apresentar falhas clamorosas nem de haver episódios fatídicos, o tempo de vida de Pizarro como ministro será mais duradouro do que o verão. Quando os casos fatídicos começarem a ter colagem política, os partos voltarem a ocorrer nas estradas e os profissionais não saírem da rua, então o vento terá mudado de direção lá para os lados da Av. João Crisóstomo.

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