Depois do Conselho de Ministros, em Setúbal, em que o Governo fechou o pacote Mais Habitação, o primeiro-ministro esteve no Jornal da Noite da SIC em que respondeu a questões relacionadas com o polémico arrendamento coercivo, o alojamento local, as relações institucionais com Belém, o IVA a 0%, os protestos dos professores e as necessidades da função pública.
Um ano depois de tomar posse, o Executivo de maioria de António Costa enfrenta várias polémicas e crises.
Além da contestação nas ruas, a inflação a níveis recorde, o aumento do custo de vida e a inoperacionalidade do SNS o Governo de Costa enfrenta um desagrado maioritário em que 64% dos portugueses classifica a sua governação como má ou muito má.
Ao chegar à SIC, o primeiro-ministro assegura que o ano de tomada de posse não é para festejar, porque “as contas fazem-se no fim” e assegura que ainda tem “três anos pela frente”.
“Quero alojamento para as famílias, para jovens”
No dia em que apresentou o pacote final de Mais Habitação, conotado como polémico, ficou ainda por saber quantas casas vão ser construídas e quantas vão ser arrendadas.
“[O plano] É muito completo (…) e integrado para responder a uma necessidade central das famílias, acederem a habitação, algo dramático para a classe média, muito difícil para os jovens e neste momento está tudo a andar”, refere o primeiro-ministro.
No entanto, no que diz respeito ao número de casas que vão ficar disponíveis seja através de construção ou arrendamento, António Costa afirma que “não podemos prever”.
Realça, porém, que o objetivo que tem é que haja “número de habitações suficientes para que, quem precisa de habitação, possa aceder”. Fica por saber é quanto é preciso e quanto é que vai ser fornecido.
Uma das medidas mais discutidas e discordantes do pacote de Mais Habitação é o cunhado arrendamento coercivo, que fica a cargo dos municípios, mas António Costa não compreende as dúvidas.
“Fiquei perplexo com a grande polémica que gerou esta medida, porque ela assenta em dois conceitos jurídicos que estão consolidados e são pacíficos: a de prédio devoluto, que está definido para efeitos de agravamento da cobrança do IMI desde 2006 e os municípios identificam quais as casas que considera devolutas, segundo já existe uma lei do arrendamento forçado”, explica o primeiro-ministro.
Qual parece ser um dos problemas? Os municípios não querem exercer esta competência e, mesmo sabendo disso, o Governo encarrega-os desse trabalho.
“Se o município não pretender forçar o arrendamento, comunica ao IHRU que (…), se assim o entender, procede ao arrendamento”, responde Costa.
Porém, o IHRU diz ter poucos meios para implementar as medidas do Executivo.
No que diz respeito às críticas dos municípios que dizem que as decisões do Governo foram unilaterais, sem diálogo, o primeiro-ministro assegura que fez o que lhe “competia fazer”.
“O que o Governo fez foi: colocou em debate público e hoje aprovou propostas de lei e encaminhou para a Assembleia da República. Eu vejo que fiz o que me competia fazer. Houve criticas que achei razoáveis, outras não achei razoáveis, agora o debate segue", afirma Costa.
Em resposta ao possível veto do Presidente da República a medidas do pacote de habitação, o primeiro-ministro afirma que não lhe “compete” comentar as funções de Marcelo Rebelo de Sousa e que fez o seu papel.
“Não gosto de comentar o que fazem os outros órgãos de soberania, nem muito menos de condicionar os outros órgãos de soberania, eu faço o que me compete. Eu vejo muita gente a dizer que a habitação está muito cara, mas não vejo muita gente a propor soluções. O Governo propôs soluções”, comenta o chefe do Executivo.
No âmbito de muita contestação social no que diz respeito ao alojamento local, o primeiro-ministro afirma que “a contestação social faz parte da democracia”.
“Nunca propusemos o fim de qualquer das licenças que estejam hoje atribuídas ao alojamento local. Até 2030 os municípios reavaliam se mantém as licenças atuais”, explica.
Para António Costa é “preciso parar” para diminuir a pressão e a quantidade de casas que, segundo o primeiro-ministro, são mil por mês que estão a ser retiradas do acesso à habitação “até que haja um novo equilíbrio no país”:
Tensão entre Belém e São Bento
Nos últimos tempos, o Presidente da República e o primeiro-ministro têm estado com relações institucionais tensas, devido às discordâncias e mensagens um para o outro através dos meios de comunicação social.
No entanto, apareceram no estrangeiro juntos no que se pode chamar numa “estratégia de comunicação” para limpar o ruído.
“Eu e o Presidente da República já temos em comum quase oito anos de exercício de funções e algo que os portugueses têm apreciado é de ter sido um período de boa convivência institucional de duas pessoas de famílias políticas diferentes. Não estamos sempre de acordo”, esclarece.
IVA 0%: “Pior não há de correr”
Mário Centeno disse que havia risco de parte da redução ser absorvida pelas margens e que pode levar ao aumento de outros bens e o primeiro-ministro concorda que esse risco existe. Daí, Costa explica o acordo tripartido que foi planeado.
“O Governo compromete-se a reduzir o IVA para 0 naqueles produtos, o comércio e retalho que se comprometem a reduzir o IVA e a manter e depois os produtores, a quem reforçamos em 200 milhões de euros em ajudas à produção, tendo em conta o aumento que estão a ter do custo de produção”, explica o chefe do Governo socialista.
Por enquanto, o cabaz alberga 44 produtos alimentares com IVA a 0% durante seis meses, mas o primeiro-ministro não responde se existirá alargamento da lista dos produtos e do período para lá dos seis meses.
No entanto, explica que o Governo pediu ao Ministério de Saúde para efetuar um estudo do que era um cabaz de alimentação equilibrada e saudável e o Ministério identificou produtos vários de acordo com a roda dos alimentos.
No conjunto daqueles produtos, o Governo escolheu de acordo com o estudo e quais os mais vendidos.
“Se temos riscos? Há sempre riscos”, confessa Costa e acrescenta que “pior não há de correr, pois a descida do IVA não aumenta preços”.
Quando confrontado sobre a possibilidade dos preços aumentarem de novo, o chefe do Governo desabafa que não se lembra de ter governado " um dia em situações fáceis".
Aumento de 1% na função pública
O acordo foi feito, anteriormente, num “contexto muito difícil”, segundo o primeiro-ministro e era necessário garantir o poder de compra perdido na inflação.
"As contribuições para a Segurança Social estão a subir 15%, isto significa que há aqui dois efeitos: o emprego está a aumentar, os rendimentos também estão a aumentar, senão as contribuições não estariam a aumentar", explica António Costa.
No entanto, o primeiro-ministro só se consegue comprometer como entidade patronal da função pública.
Protestos Sociais: “evitar que carreira volte a ser congelada”
Tem se vivido tempos de várias contestações sociais, com muitas manifestações pela inação governativa no que diz respeito à inflação, ao aumento do custo de vida, à inacessibilidade à habitação, mas, especialmente, à educação. Os professores estão em greve há mais de três meses.
O grau de flexibilidade do Governo em garantir as exigências dos profissionais de educação tem sido demonstrado nas reuniões que têm tido com os sindicatos e o que já lhes propuseram, segundo o primeiro-ministro.
"O que nós propusemos agora: para os 60 mil professores que tiveram congelados aqueles nove anos, vamos retirar as quotas de acesso ao quinto e ao sétimo escalão, e os que já passaram a quota destes escalões queremos contabilizar o tempo que estiveram parados por causa das quotas", explica.
No entanto, António Costa admite que entende a “revolta por várias promessas incumpridas”, mas realça que a prioridade para o chefe do Executivo é clara: “evitar que carreira volte a ser congelada”.
Para além disso, Costa relembra que em todas as outras crises “congelaram a carreira dos professores”, enquanto que o seu Governo, depois da crise pandémica e a de agora com a inflação, não o fez.
Desgaste do Governo nas sondagens
64% dos portugueses considera que o desempenho do Governo é mau ou muito mau, algo que não surpreende António Costa depois de “um ano destes”.
“É preciso ter consciência do que os portugueses estão a enfrentar, uma inflação como não se via há 30 anos, a generalidade dos portugueses não tem os rendimentos que nós temos”, comenta Costa.
Para além da inacessibilidade à habitação e o aumento do custo de vida, António Costa exemplifica que há até casais que não se conseguem separar por não terem possibilidades de viver sozinhos.
Para o primeiro-ministro é evidente que "a sociedade portuguesa não está a viver momentos de felicidade e euforia".
Tendo isto em conta, questiona: “como é que, com isto, as pessoas estão satisfeitas com o Governo?”.
Para o primeiro-ministro de quase oito anos em função, primeiro com uma geringonça ao lado, mas agora com uma maioria absoluta a segurá-lo, não se pode governar "só para ter aplausos”.