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Antevisões em saúde para 2023 (parte II): marcos nacionais

Opinião de Tiago Correia, comentador SIC, Professor de Saúde Internacional.

Campanha de vacinação contra a covid-19 em Lisboa.
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Tiago Correia

Olhando para o desenrolar do ano passado, estes são alguns acontecimentos que poderão marcar o debate nacional em matéria de saúde em 2023:

Condução política do Ministro da Saúde: após a demissão de Marta Temido, a ministra que venceu a pandemia, Manuel Pizarro terá os holofotes sobre si. O que pode aprender com a sua antecessora é que uma opinião pública favorável não chega perante a força dos profissionais de saúde. Não se governa contra as corporações. As condições de governação na atual legislatura tornam o perfil político do atual ministro mais adequado. Ainda assim, terá de responder com exigência e a mera gestão de expectativas não será suficiente.

Tendo uma nova Lei de Bases da Saúde, o novo Estatuto do SNS e o maior orçamento para a saúde, o ministro tem as condições políticas e financeiras para ir resolvendo os problemas que têm afetado a saúde dos portugueses. No entanto, o seu discurso ainda é vago: comprometeu-se com a passagem de 28 USF para o modelo B (que associa a remuneração ao desempenho), com a atualização salarial que abrange 20.000 enfermeiros e com o funcionamento alternado das urgências de obstetrícia. Isto é pouco para resolver os problemas em causa.

Novo estatuto do SNS: tornou-se incontornável no debate e com ele a criação do Diretor Executivo. O estatuto do SNS foi apresentado como a ferramenta política essencial para dar mais autonomia aos prestadores, implementar o regime de dedicação plena dos profissionais e permitir a colocação de recursos humanos em áreas carenciadas.

Perante a crise que se vive nas urgências hospitalares é de notar que nada foi dito sobre estas soluções. É de esperar que tal venha a acontecer; caso contrário explicações serão exigidas.

Crise das urgências: finalmente foi reconhecido como um problema estrutural, após meses de negação. São várias as causas do problema, pelo que a situação de cada hospital deve ser estudada em particular.

As causas incluem: falta de profissionais (pela saída para o setor privado, emigração ou reforma), envelhecimento da profissão médica (médicos com mais de 50 anos podem recusar fazer urgências noturnas e também as diurnas se tiveram mais de 55 anos), regras que favorecem o trabalho por “tarefeiros”, dificuldade de gestão de camas devido a casos sociais e subdimensão das infraestruturas face à população servida, dificuldade de acessibilidade a cuidados de saúde primários e baixa confiança da população nos cuidados de saúde primários.

No caso das urgências de obstetrícia, a solução encontrada pelo Diretor Executivo quanto ao funcionamento alternado mostra a mais-valia da sua existência. É pouco provável que um ministro tivesse sobrevivido ao encerramento de blocos de partos (pense-se em Correia de Campos ou Marta Temido). Ainda assim, o motivo da manutenção deste funcionamento em 2023 não é claro: se por um lado diz-se que irá vigorar até haver capacidade de contratar profissionais, por outro, nada tem sido dito sobre as soluções para contratar esses profissionais.

Sucesso da vacinação: após décadas de bons resultados do Plano Nacional de Vacinação, Portugal foi um caso de sucesso no panorama internacional no que diz respeito à vacinação contra a Covid-19. Isso permitirá encarar o novo ano mais otimismo. Em 2 anos foram administradas 26.5 milhões de doses. O negacionismo é pouco expressivo e a maioria da população aceitou as inoculações, mesmo quando duvidou.

A covid-19, a gripe e as infeções infantis mostram o quanto é importante nutrir a confiança das pessoas nas instituições para efeitos de gestão das doenças. Por isso, deve-se perceber o quanto a hesitação vacinal pode estar a aumentar. Hesitar não significa negar e o fenómeno continua pouco estudado em Portugal.

Lei da eutanásia: o parlamento voltou a aprovar a regulamentação da morte medicamente assistida. Não se sabe o desfecho que o Presidente dará. A experiência internacional mostra que mesmo em caso de aprovação, a implementação da lei está longe de ser pacífica dada a objeção de consciência dos profissionais. Esta lei não se implementa sem o apoio daqueles que são chamados a estar à cabeceira do doente e não é claro o que a maioria dos profissionais de saúde sente e sabe a este respeito.

O que está em causa é a falta de explicação sobre o papel da eutanásia ativa face a outras possibilidades de antecipação da morte já em vigor (por exemplo: o testamento vital); a falta de reflexão sobre os motivos da objeção de consciência; a falta de referência quanto à formação dos profissionais envolvidos, bem como a falta de conhecimento sobre as suas necessidades, expectativas e experiências; e a falta de debate público sobre os termos e implicações desta lei. Tenho dúvidas que a opinião pública saiba definir e distinguir a eutanásia, da sedação paliativa, do suicídio assistido ou da ortotanásia.

Preparação e aprendizagem para lidar com emergências de saúde pública: a eficácia do controlo dos surtos decide-se na prevenção. Isso inclui investimentos em recursos humanos e tecnologia, mas também políticas e estruturas de apoio à tomada de decisão. O regresso à normalidade não deixa antever até que ponto Portugal aprendeu com erros passados além da retórica política.

Foi criada uma secretaria de estado da promoção da saúde, mas a sua visibilidade pública tem sido marginal. A saúde pública ganhou um novo ímpeto como especialidade médica, mas não é claro se os recursos melhoraram nos cuidados de saúde primários. Os organismos do Ministério da Saúde comunicam melhor com a população. Mas a demora ou incapacidade de produção de dados e relutância na sua partilha evidenciam dúvidas sobre até que ponto se percebeu o quanto o país tem a ganhar com o esclarecimento transparente da população, das universidades, dos jornalistas e dos partidos políticos.

Além disso, é o momento de perguntar: em que ponto está a lei de emergências em saúde pública?

Antevisões em saúde para 2023 (parte I): marcos internacionais

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