Mundo

EUA 2024: cinco perigos Trump

A análise de Germano Almeida, comentador SIC, a 306 dias da eleição presidencial norte-americana de 2024.

Canva

Germano Almeida

Se as sondagens estiverem certas, Donald Trump deverá ser o segundo norte-americano a conseguir voltar à Casa Branca, 131 anos depois de Grover Cleveland. Um regresso, neste momento, provável e envolto num vasto conjunto de perigos. Aqui se elencam os cinco principais.

PERIGO 1 – O Desejo de Vingança

Donald Trump continua a dizer que ganhou a eleição de 2020. E, afirma ele, “por larga margem”. O problema é que essa insistência não é encarada como devia ser: como um disparate facilmente desmentido pela realidade, que só revela o mau perder e a falta de cultura democrática de quem o profere.

Sucede que não é isso que está a acontecer. Se Trump ganhar em novembro, o seu movimento vai querer utilizar o palco presidencial para impor uma via autoritária e reduzir o espaço dos adversários que os venceram em 2020. Teme-se o pior: se Trump vencer vai querer vingança; se Trump perder vai dizer que foi roubado.

PERIGO 2 – Ser Muito Pior do que em 2017/2021

Quando, em novembro de 2016, Donald Trump bateu inesperadamente Hillary Clinton no Colégio Eleitoral (apesar de ter tido menos quatro milhões de votos no plano nacional), temeu-se o pior. A “travel ban”, logo nos primeiros dias de mandato, deixou os aeroportos americanos no caos, pela dificuldade em interpretar as consequências do impedimento de acesso de cidadãos de sete países de maioria muçulmana. Mas, ainda assim, houve alguns fatores de redução do impacto: o general Mattis no Pentágono, o general Kelly como “chief of staff”, Tillerson no Departamento de Estado, o general McMaster e, mais tarde, Bolton como Conselheiros de Segurança Nacional.

Com o avançar do mandato, a tendência antidemocrática acentuou-se: o Presidente foi-se isolando junto de “yes men” com pouca dimensão política e/ou diplomática. Há razões para teremos que o mandato 2025/2029 seja bem pior: ainda mais Trump, ainda menos contrapesos aos excessos e aos desvarios do Presidente. E só MAGA negacionistas, nenhum político de cariz “bipartidário”.

PERIGO 3 – O Recuo Democrático

No pós-2020, a democracia norte-americana tremeu, mas não caiu. Quem ganhou nas urnas (Biden) tomou mesmo posse em janeiro de 2021. Quem perdeu (Trump) estrebuchou, atiçou e ameaçou – mas nisso de nada lhe valeu. Nas intercalares de 2022 até houve uma surpresa positiva: o eleitorado americano mostrou que teme um excessivo peso de quem se manteve negacionista dos resultados eleitorais (quase todos os candidatos “trumpistas” a mandar nos sistemas eleitorais estaduais perderam nos estados decisivos).

Desta vez, pode não ser assim: com Trump de novo no poder haverá hipóteses reais de se colocarem em peças chave do sistema político e judicial pessoas dispostas a desrespeitar as regras democráticas. Infelizmente, pode mesmo acontecer.

RISCO 4 – A Abdicação da Liderança Americana

Os EUA foram até agora o pilar decisivo do sistema internacional construído no pós II Guerra, baseado nas organizações internacionais, em regras democráticas, no interesse comum, na defesa das democracias. Isso garantiu – com sucesso assinalável, maior do que muitas vezes pensamos e sentimos – quase oito décadas de relativa prosperidade pacífica, sobretudo na nosso mundo transatlântico. Saídos da II Guerra Mundial com um poder quase desmesurado (económico, político, diplomático e, sobretudo, militar), os Estados Unidos assumiram esse papel de liderança e beneficiaram fortemente com ele.

De tal modo que isso foi, até há poucos anos, um consenso bipartidário em Washington entre democratas e republicanos. Trump, em 2016, quebrou com essa linha, ao lançar ameaças quanto à continuidade dos EUA da NATO e ao assumir relação difícil e mesmo buliçosa com a Europa. Agora pode ser ainda pior. Os EUA não são, obviamente, obrigados a assumir eternamente essa liderança do mundo internacional liberal. Mas se quiserem mesmo abdicar dessa liderança, é preciso anteciparmos esta pergunta: o que vamos nós, europeus, fazer? Estamos preparados para isso? Como iremos construir uma alternativa?

RISCO 5 – A Ucrânia e o Futuro da Europa

Decorre do ponto 4, mas tem consequências muito mais concretas e imediatas. Os EUA deram cerca de 70% do apoio militar e 40% do apoio logístico, financeiro e humanitário à Ucrânia, desde 24 de fevereiro de 2022. Sem aprovação do apoio para 2024 (é necessário acordo com os republicanos no Congresso e até agora não houve), para já só 0,33% do total do orçamento do Pentágono para este ano (30 milhões num total de 886 mil milhões) estão destinados a apoiar Kiev na sua luta heróica de resistência ao invasor russo.

Com Trump na Casa Branca, o que será da Ucrânia democrática e pró-europeia? Será Zelensky forçado a aceitar um acordo de cedência territorial dos 20% ocupados pela Rússia, a troco de uma suposta paz? Vai Trump fazer disso um argumento de campanha, ou optará por um comportamento dúbio e errático quanto ao tema, como tantas vezes fez no primeiro mandato, em temas internacionais. Para já, o facto de nem sequer ter sido capaz de dizer qual dos lados prefere que vença a guerra (Rússia ou Ucrânia) faz-nos, mais uma vez, temer o pior. Porque não se trata só da Ucrânia. Trata-se mesmo do destino da Europa. Que todos percebamos isso duma vez por todas.

Últimas