É habitual afirmar, quando se trata de lançar uma eleição presidencial norte-americana que "a próxima será a mais importante de todas". Sucede que, neste caso, a próxima eleição será mesmo a mais importante de todas. Porque há o risco de Trump voltar. Porque Biden já terá 82 anos numa eventual segunda posse. Porque, no Leste da Europa, a Rússia continua a tentar invadir a Ucrânia. Porque, no Médio Oriente, rebentou há um mês a maior guerra em meio século na região. E porque a China espreita invasão a Taiwan.
A análise de Germano Almeida, comentador SIC, a 365 dias da eleição presidencial norte-americana de 2024.
Em 12 ideias, uma por cada mês que resta ate ao dia decisivo de 5 de novembro de 2024.
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Tudo aponta para repetição do duelo Biden/Trump, mas ambos quatro anos ainda mais velhos. É a maior de tantas contradições da política norte-americana. Biden tem muitos anticorpos nos democratas, pela idade avançada; quase metade dos republicanos considera que seria melhor Trump abdicar de tentar voltar. Indesejados nos próprios partidos, os nomeados de 2020 serão, com quase toda a certeza, de novo os escolhidos em 2024.
2
Idade muito avançada de Biden reduz entusiasmo do lado democrata. Quase metade dos eleitores democratas responde nas sondagens que era mais prudente optar por candidato mais novo. Alguns setores do partido do Presidente consideram pouco avisado que Biden tente segundo mandato com 82 anos no momento da posse. Nos jovens, esse valor chega perto dos 70%.
3
A questão é: quem teria condições de substituir o Presidente numa corrida democrata de última hora? A vice-presidente Kamala Harris está longe de gerar consenso, mesmo no seu próprio campo. E não daria garantias de travar Trump na eleição geral.
Os governadores Gavin Newsom (Califórnia) e Gretchen Whitmer (Michigan) mostram dimensão presidencial mas preferem guardar-se para 2028. Pete Buttigieg, Secretário dos Transportes, com créditos no programa de Infraestruturas, mostrou em South Bend, Indiana, que é capaz de atrair apoio republicano e independente, com a sua plataforma conservadora fiscal, mas é casado com um homem e isso, para já, deverá impedi-lo de conseguir votos suficientes na América profunda.
4
O problema Robert F. Kennedy Jr. Tem nome de dinastia democrata, é filho do antigo procurador-geral e quase nomeado presidencial democrata em 1968 (se não tivesse morto) Bobby Kennedy, mas só tem dado problemas aos democratas em 2023. Entrou na corrida pela nomeação, sem ameaçar verdadeiramente Biden, mas recolhendo perto de 20% das intenções de voto. Tem discurso negacionista das vacinas, hipercrítico da atual administração, acusa o "complexo militar-industrial" de mandar na Casa Branca e atirar a América para as guerras. Entre a conspiração e a alucinação, Kennedy Jr. é a prova da doença da desinformação que afeta uma parte da sociedade americana. Sim, um em cada cinco democratas tê-lo-ia preferido a Biden. Agora diz que vai concorrer como independente. As sondagens dão-lhe 10% (sendo que metade é tirado a Biden e a outra metade a Trump, uma vez que o discurso de Robert F. Kennedy Jr. tem muito mais semelhanças com a agenda Trump que a de Biden).
5
Trump, cercado por vários processos judiciais e com forte risco de ter alguma condenação criminal até à eleição, lidera corrida republicana e fará tudo para uma "vingança" da derrota de 2020. Desta vez, seria com uma administração sem "contrapesos" credíveis como McMaster, Tillerson, Bolton, Mattis ou Kelly: seria um festival de MAGA negacionistas do que aconteceu em 2020 e cúmplices com a invasão do Capitólio. Se acontecer, será mesmo muito feio de assistir. E perigoso para a Democracia dos EUA.
6
Democracia em risco? Claro que sim.
As sondagens mostram que, neste momento, Trump e Biden têm hipóteses semelhantes de obter a eleição daqui a um ano. O receio da América cair numa crise democrática irreversível, caso Trump volte à Casa Branca, parece ser o trunfo para a reeleição de Biden, que avisará para os perigos de Trump voltar à Casa Branca. Mas será suficiente?
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E os outros republicanos? De Santis parecia ter saído muito forte nas intercalares, quando ganhou com grande margem a reeleição na Florida (na mesma noite em que os candidatos trumpistas fizeram pior que o esperado). Mas está a revelar-se candidato pouco mobilizador e pouco carismático. Corre o risco de chegar ao Iowa sem sequer manter o segundo lugar na corrida republicana, perante os ganhos de Nikki Haley e Ramaswamy nos primeiros debates.
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Nikki podia ser solução, mas numa outra fase do universo republicano. A ex-governadora da Carolina do Sul, embaixadora dos EUA na ONU na primeira metade da presidência Trump, tem desempenhado bem nos debates. Mostra responsabilidade e boa preparação (duas qualidades que cada vez mais rareiam no campo republicano). Está a subir no que resta do republicanismo moderado, mas não se vê como possa tirar a nomeação a Trump. Já quanto a Ramaswamy, descendente de indianos de 38 anos, empresário "hipercapitalista", ganha espaço na via ultraradical, nalguns casos ainda mais à direita do trumpismo. Defende que é preciso acabar com a parceria Rússia/China e está disposto, se chegar à Casa Branca, a fazer acordo com Putin que passe por se afastar da China e, em troca, tenha via aberta para continuar a ocupar a Ucrânia. Já perceberam o risco, não já?
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Economia robusta, mas sob tensão. Os EUA continuam a mostrar força. 4,9% de crescimento económico no terceiro trimestre 2023 (quase quatro vezes mais que a UE, quase o dobro da China); 14 milhões de empregos criados nos anos Biden (335 mil só em outubro; desemprego mínimo de 3,4%); inflação a descer mais rápido que o previsto. Só que… só que não é essa a perceção das pessoas. Mais de metade dos americanos chumba o desempenho económico de Biden.
10
As duas guerras e o papel da América. A maioria do eleitorado americano ainda defende o apoio militar à Ucrânia, mas nestes 20 meses esse apoio baixou de 70% para 50%; Biden está a fazer o que é certo e o que é do interesse dos EUA (não apoiar a Ucrânia levaria a um custo mais tarde muito maior de um Putin vencedor e imperialista a entrar NATO dentro); o problema é que está longe ser certo que isso lhe vá dar ganhos eleitorais; quanto a Israel, apoio americano reúne maior consenso bipartidário, mas coloca um problema interno a Biden (parte da ala esquerda é pró-palestiniana e anti-Israel, incluindo por exemplo os muçulmanos democratas, que têm representação no Congresso).
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A influência russa e iraniana na eleição: Putin e os iranianos farão tudo para interferir neste ano eleitoral na América. O prolongar das duas guerras vai condicionar quase tudo. Possível aumento dos preços da energia e dos combustíveis será mais um risco para a reeleição Biden.
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O que pode decidir? Desta vez não apenas a "economia estúpido".
Talvez o evoluir das guerras. Certamente as sentenças judiciais em 2024 sobre Trump. E muito a saúde do Presidente. Como bem lembrou David Axelrod, conselheiro do ex-Presidente Obama, "se Joe Biden fosse 20 ou 30 anos mais novo, estava ganho." Só que já não é.