Saúde Mental

A ansiedade aumenta o apetite ou o apetite aumenta a ansiedade?

O ato de comer não é apenas uma resposta a necessidades nutricionais, mas também está associado ao prazer e ao bem-estar emocional. Como tal, comer em excesso durante períodos de ansiedade pode ser uma tentativa de autorregulação emocional, utilizando a química cerebral para aliviar esse desconforto. Os conselhos da psicóloga Teresa Feijão.
Malte Mueller

SIC Notícias

A ansiedade é uma emoção normal no ser humano, mas é extremamente importante estarmos atentos aos seus sinais.

Sentir ansiedade em situações novas, desafiantes, perante mudanças ou face a momentos de avaliação por outros, por exemplo, é apenas uma reação comum e naturalmente defensiva do organismo. O alerta surge quando ela se torna frequente e excessiva, prejudicando a qualidade de vida de quem a sente e a sua saúde em geral.

A dificuldade em lidar com as emoções, nomeadamente com o excesso de ansiedade, leva a que muitas pessoas acabem por tentar contornar a dor emocional que tal provoca, procurado um prazer imediato e este pode ser através da alimentação ou de outros comportamentos, tais como como comprar, jogar, beber, etc.

A sensação de fome tem raízes biológicas e emocionais. O ato de comer não é apenas uma resposta a necessidades nutricionais, mas também está associado ao prazer e ao bem-estar emocional. Como tal, comer em excesso durante períodos de ansiedade pode ser uma tentativa de autorregulação emocional, utilizando a química cerebral para aliviar esse desconforto.

A ansiedade elevada pode levar à perda de apetite ou ao excesso do mesmo. Mas, em geral, a ansiedade aumenta o desejo de comer, a chamada “fome emocional”. Por isso, é importante mencionar que a fome e o apetite não são a mesma coisa. A fome é a necessidade orgânica de energia para manter as funções básicas do corpo, enquanto que o apetite é o desejo por alimentos, principalmente ricos em açúcar e gordura. Assim sendo, a ansiedade somada ao apetite tende a promover o aumento de peso.

Por um lado, a ingestão de alguns alimentos ajuda a libertar endorfinas (as chamadas “hormonas do prazer”), que, ainda que temporariamente, originam uma sensação de bem-estar e melhoria do humor.

Contudo, quando este efeito passa, a pessoa tende a sentir-se mais ansiosa ou depressiva, gerando-se um círculo vicioso; por outro lado, quando as pessoas estão mais ansiosas ou deprimidas, os níveis da hormona cortisol aumentam, o qual leva, sobretudo, ao aumento do apetite por alimentos ricos em açúcar, produtos processados, alimentos com alto teor em gordura ou sal, mas principalmente alimentos muito calóricos, tais como os doces no geral.

Estas opções levam a um potencial aumento da obesidade e comorbilidades associadas. A ingestão desse tipo de alimentos tem como consequência o aumento de peso e a obesidade e, também, a acumulação de gordura na zona do perímetro abdominal - considerada o tipo de gordura mais perigosa e que promove o desenvolvimento de várias patologias e o aumento do risco de mortalidade prematura.

E quanto mais gordura saturada e mais açúcar uma pessoa consumir, mais cortisol e mais hormonas relacionadas com a ansiedade vai produzir, aumentando ainda mais os níveis de ansiedade. Além disso, este excesso da hormona cortisol também diminui a motivação para adotar um estilo de vida saudável, fazendo com que a pessoa não sinta ânimo para praticar exercício físico e para adotar uma alimentação equilibrada.

Alterações no sono têm influência no controlo da fome. Porquê?

Outro dos efeitos do excesso de ansiedade são as alterações no sono. Dificuldade em adormecer, sono intermitente e pesadelos, são algumas das consequências que este estado pode ter no ciclo de sono. Dormir pouco e de forma instável sistematicamente provoca alterações nas hormonas leptina e grelina, responsáveis pelo controlo da fome: os níveis de leptina (redução do apetite) baixam, enquanto os níveis de grelina (aumento do apetite) aumentam.

Pessoas que têm o apetite afetado pela ansiedade apresentam também maiores riscos de desenvolver distúrbios alimentares. As que perdem o apetite nessas situações têm maior risco de desenvolver anorexia nervosa, que é caracterizada pela restrição alimentar devido a uma preocupação excessiva com o peso corporal e uma consequente necessidade de controlo da ingestão de alimentos. Já a bulimia nervosa é marcada por episódios de compulsão alimentar seguidos de estratégias para evitar o ganho de peso, tais como o vómito, toma de laxantes, exercício físico excessivo, etc. e também pode estar relacionada com a perda de apetite em situações ansiosas.

A supressão do apetite durante a ansiedade pode levar a episódios de fome emocional, desencadeando a compulsão alimentar como uma forma de compensação. Este aumento de apetite, a que as pessoas ansiosas são mais propensas e que leva a distúrbios associados à compulsão alimentar tem por base a alimentação como mecanismo de compensação para lidar com emoções negativas.

Com o tempo, esse comportamento pode solidificar-se, levando a episódios de ingestão excessiva de alimentos, mesmo na ausência de fome, caracterizando o padrão compulsivo. Para além do desequilíbrio emocional, esta falta de controlo dessa ansiedade pode trazer prejuízos para a saúde e qualidade de vida de quem a tem, podendo gerar problemas metabólicos, tais como diabetes tipo 2, obesidade e problemas cardiovasculares.

A questão da ansiedade associada ao aumento de apetite ou controlo do mesmo e consequente tendência para a compulsão alimentar ou anorexia, leva também à questão dessas pessoas muitas vezes esconderem esse comportamento e evitarem situações sociais relacionadas com comida. Como tal, a sua vida social e relacionamentos interpessoais são também bastante afetados.

Como lidar com a ansiedade, com a compulsão alimentar ou a falta de apetite?

  • Praticar atividades relaxantes (como yoga, meditação ou respiração profunda);
  • Caminhar ao ar livre ou escolher outra forma de praticar exercício físico regularmente;
  • Manter uma rotina saudável de sono;
  • Investir numa alimentação equilibrada e saudável, não saltando refeições e comendo várias vezes durante o dia, o que diminui a fome e ajuda a diminuir o desejo de comer; incluir boas fontes de proteína a cada refeição - para além de fundamental na manutenção de uma massa muscular saudável, é o nutriente que mais impacta a nível das hormonas da saciedade, sendo importante para estabilizar o apetite; evitar comprar alimentos que dão a sensação de conforto - estes costumam ser os que levam a um aumento de peso, tais como bolachas, bolos, batatas fritas, entre outros; consumir regularmente alimentos ricos em omega-3, como sardinha, salmão, atum e castanhas, e alimentos ricos em triptofano, como banana, aveia e arroz integral, também ajuda a melhorar o humor e manter a motivação elevada. Além disso, ter acompanhamento com um nutricionista ajuda a escolher refeições que melhoram o humor e diminuem a vontade de comer doces, assim como a manter um diário da ingestão de alimentos para ajudar a identificar padrões de comportamento alimentar. Estabelecer metas reais de perda de peso com o nutricionista também ajuda a manter o ritmo saudável de emagrecimento e a reduzir a cobrança pessoal para emagrecer rapidamente;
  • Evitar o consumo excessivo de cafeína, açúcar e álcool;
  • Manter o organismo hidratado. Muitas vezes, a sede mascara-se de fome;
  • Conversar com amigos e familiares sobre os próprios sentimentos e preocupações e pedir-lhes que também procurem ter uma rotina saudável para servirem de estímulo;
  • Encontrar novas atividades para ocupar o tempo e a mente, como atividades criativas ou outras prazerosas;
  • Planear o dia com antecedência, estabelecer prioridades e aprender a delegar tarefas também ajuda a gerir o tempo e reduzir a ansiedade.

    Se estas técnicas de gestão da ansiedade e mudança de estilo de vida não surtirem efeito, é importante considerar a hipótese de procurar apoio psicológico, associado ou não com medicação (como ansiolíticos e antidepressivos). Analisar o problema subjacente e resolvê-lo é muito importante para o processo de melhoria e autocontrolo. Tomar real consciência de que estamos a compensar com a comida um estado de ansiedade pode ser o começo da solução.
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