Como está a saúde mental dos portugueses? De que forma a pandemia teve impacto nesta área? São questões que vários estudos (uns mais atuais do que outros, é certo) procuram responder através dos números, sendo que é sempre certo que a realidade vai muito para lá de uma ciência exacta.
Daqui podemos partir para o cenário geral, traçado no Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental, cujo primeiro relatório foi publicado em 2013 e que é da autoria de uma equipa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
Este estudo concluiu que um em cada cinco portugueses entrevistados tem uma perturbação psiquiátrica. Isto faz com que 22,9% dos adultos sofram de algum tipo de doença mental, tornando Portugal no segundo país com mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas da Europa, ultrapassado por pouco pela Irlanda do Norte (23,1%).
Ainda segundo este documento, cuja recolha de dados foi realizada entre 2008 e 2009, perto de metade (43%) dos portugueses já sofreu de algum tipo de perturbação mental ao longo da vida, com a ansiedade e a depressão a revelarem-se as mais comuns.
Outras estatísticas revelam ainda que, por dia, três pessoas cometem suicídio em Portugal.
E com a pandemia, o que mudou?
Mais recente é o estudo Saúde Mental em Tempos de Pandemia (SM-COVID19), do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge em colaboração com a Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e com a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental.
Publicado em 2021, deixa perceber como a pandemia marcou a saúde mental dos portugueses, pesando nas suas relações. Mais de um terço da população (34%) apresentava, por exemplo, sinais de sofrimento psicológico. Valor que subia para 45% entre os profissionais de saúde inquiridos.
“Em relação aos profissionais de saúde, os resultados mostram taxas mais elevadas de problemas de saúde mental relativamente a população geral, em particular de sofrimento psicológico e de ansiedade moderada a grave. São sobretudo aqueles que estão a tratar doentes com covid-19 os mais afetados, com um risco de sofrimento psicológico 2,5 superior àqueles que não tratam doentes com covid-19. E ainda no grupo dos profissionais de saúde que os níveis de burnout (exaustão física e emocional) são mais elevados (32,1%)”, refere o trabalho.
A ansiedade, com sintomas moderados a graves, afetava 27% dos entrevistados e os sinais de depressão foram identificados em 26%, a mesma percentagem de quem manifestava indicadores de perturbação de stress pós-traumático.
Quem apresenta mais frequentemente sintomas de sofrimento psicológico moderado a grave, ansiedade, depressão ou perturbação de stress pós-traumático:
- Mulheres
- Inquiridos entre os 18 e os 29 anos
- Desempregados e pessoas com baixo rendimento
O isolamento também deixou as suas marcas, sendo que entre os entrevistados que estiveram em quarentena ou já recuperados da infeção por coronavírus 72% manifestaram “sofrimento psicológico e mais de metade referiu sintomas de depressão moderada a grave”. E a esmagadora maioria daqueles que estiveram internados ou passaram pelos cuidados intensivos (mais de 90%) confessou ter sintomas de ansiedade moderada a grave.
A ansiedade no ensino superior
Um trabalho, coordenado pela Universidade de Évora e divulgado em março deste ano, ‘aproveita’ também a pandemia para lançar um olhar sobre o estado da saúde mental no ensino superior. Uma das principais conclusões é a de que um em cada cinco estudantes universitários sofre de algum tipo de doença mental. Destes, mais de 40% foram diagnosticados após o início da pandemia.
“Os diagnósticos mais mencionados foram a ansiedade (16%) e a depressão (7%), tendo 10% referido ter ambos os diagnósticos”, explicou na altura Lara Guedes de Pinho, Professora do Departamento de Enfermagem e Investigadora do Comprehensive Health Research Centre (CHRC), da Universidade de Évora.
Entre os estudantes ouvidos para este estudo, 23% referiu tomar medicação para a ansiedade, depressão, insónias ou outro problema psíquico, mas só metade foi acompanhado por um psiquiatra. E mais de metade não teve esse acompanhamento especializado porque ser caro (58,5%).
Neste estudo estiveram envolvidas sete instituições de ensino superior portuguesas e 10 instituições de ensino superior de sete países diferentes, da Europa e América do Sul.