Benfica Campeão

Roger Schmidt, o engenheiro que nunca quis ser treinador, levou o Benfica ao "38"

O futebol está repleto de grandes treinadores que antes foram estrelas com a bola nos pés. Roger Schmidt não é um deles. O homem que liderou o Benfica ao título nacional foi um jogador semiprofissional e licenciou-se em engenharia. Mas nunca deixou de se preparar para alcançar o topo.

Roger Schmidt
Inês M. Borges

Daniel Pascoal

“Temos de ter uma atitude de campeões”: foram estas as palavras de Roger Schmidt no momento mais crítico da época, quando o Benfica, até então imbatível, perdeu três jogos seguidos e viu o FC Porto mais próximo. O alemão, que chegou à Luz com a promessa de um futebol vistoso e ofensivo, já tinha cumprido esta parte. Mas só o “38” poderia coroar a temporada.

A reação das “águias” nesta reta final passou muito pelo treinador. A aposta regular nos mesmos jogadores ficou de lado para dar protagonismo a João Neves e David Neres e para adaptar Aursnes, enquanto a atitude da equipa foi mesmo de campeã.

Fiel a si próprio, Schmidt repetiu em Lisboa a fórmula que resultou em outros trabalhos. Mas, após tropeços, não teve receio em adaptar a equipa, mesmo que de forma pontual. Não fosse ele um treinador que começou no fundo do futebol e que, sem grandes planteis ou jogadores, foi ganhando espaço no desporto-rei.

Um médio ofensivo que também era engenheiro

Nascido na pequena cidade de Kierspe, de 17 000 habitantes, Roger Schmidt construiu uma carreira de jogador semiprofissional, que ficou marcada por lesões, sendo a terceira divisão alemã o patamar mais elevado a que chegou. Nunca deixou os estudos de parte, no entanto.

O treinador do Benfica licenciou-se em engenharia mecânica e tornou-se especializado em plásticos para a indústria automóvel. Trabalhou durante oito anos numa empresa em Paderborn, enquanto continuava a trajetória nos relvados, que perdurou até aos 37 anos.

“Como engenheiro, era tudo diferente, mas a ideia de trabalhar em projetos e em equipa para alcançar objetivos é muito semelhante [ao futebol]. Acho que essas experiências ajudam sempre ao longo da vida e é por isso que eu gostava de jogar futebol e trabalhar ao mesmo tempo”, disse Schmidt ao site da UEFA.

Com a bola nos pés, o último clube da carreira foi, de certa forma, também o primeiro: no SC Delbrucker, o médio ofensivo pendurou as botas e, ainda como jogador-treinador, começou uma nova etapa em 2004. Roger Schmidt estava na sexta e última divisão do futebol da Alemanha.

Volvidos nove anos, o alemão, que foi uma aposta ganha de Rui Costa e já renovou com o Benfica até 2026, tem no currículo clubes como RB Salzsburgo, Bayer Leverkusen e PSV. Mas esta história poderia nem ter começado.

Treinar era um “hobby”

Em 2007, Schmidt abandonou o futebol, pois conciliar o desporto com o trabalho, ao mesmo tempo em que cuidava dos filhos pequenos, era uma missão cada vez mais difícil.

“Eu nunca quis ser treinador de futebol. Isto para mim era um hobby”, revelou ao The Guardian.

No entanto, no mesmo ano, surgiu um convite do Prussia Munster, histórico emblema alemão que na altura competia na quinta divisão. O treinador mudou de ideias, aceitou a proposta e deixou o emprego de engenheiro mecânico.

Após três anos, Schmidt ganhou duas taças regionais (o que valeu presenças na Taça da Alemanha) e saiu do clube um escalão acima do que quando chegou. Por essa altura, continuou a estudar e tirou o quarto nível do curso da UEFA de treinador, com a melhor nota da turma.

O primeiro salto considerável na carreira foi para o Paderborn, da segunda divisão do país, em 2011. É aqui que começa a ascensão meteórica do atual treinador “encarnado”.

Esteve apenas um ano ao leme da equipa, conseguiu um quinto lugar e chamou a atenção de um dos ramos de um clube-empresa milionário: o Red Bull Salzburgo deu asas a Roger Schmidt.

De Mané a Gonçalo Ramos: os pupilos de Schmidt

É inegável o atual contributo de Roger Schmidt para o desenvolvimento de algumas pérolas do Seixal. António Silva, Florentino e Gonçalo Ramos que o digam. O avançado das “águias”, que é o melhor marcador da equipa, já falou sobre a importância do treinador no seu rendimento.

Mas a facilidade do alemão em projetar talentos jovens não é de hoje. Schmidt foi um dos responsáveis pela fama que ganhou o RB Salzburgo de formar grandes jogadores, depois vendidos por quantias exorbitantes. Ao lado do diretor desportivo Ralf Rangnick, ajudou a alterar a filosofia do clube, modernizando também metodologias de treino e instalações.

O primeiro prodígio que passou pelas suas mãos e alcançou o topo do futebol mundial foi Mané, avançado do Bayern de Munique, com anos de ouro pelo Liverpool no currículo. Mas outros, como Son Heung-min (Tottenham), Kai Havertz (Chelsea) e Julian Brandt (B. Dortmund), também evoluiriam com Schmidt noutras paragens.

Elogios de Guardiola e duelos com Jorge Jesus

Apesar de uma primeira época sem títulos na Áustria, o futebol ofensivo com “selo Roger Schmidt” – baseado na pressão constante aos adversários e na rapidez para chegar à baliza contrária quando recupera a bola – ganhou a simpatia dos adeptos. As conquistas chegaram de forma natural na temporada seguinte: o RB Salzburgo venceu a Liga e a Taça.

Pep Guardiola, que enfrentou o campeão austríaco durante um amigável de pré-época, admitiu ser um “grande fã” de Roger Schmidt.

O treinador do Manchester City, na altura no Bayern de Munique, disse que nunca tinha enfrentado “uma equipa que jogasse com uma intensidade tão elevada”, citado pelo Zeit.

O bom trabalho levou Schmidt de volta à casa. O Bayer Leverkusen, que contratou Grimaldo ao Benfica para a próxima época, apostara no treinador alemão em 2014/15. Sucesso praticamente imediato.

Na Bundesliga, os “farmacêuticos” conseguiram um 4.º lugar na primeira época e um 3.º na segunda da “Era Schmidt”. Também fizeram boas campanhas na Liga dos Campeões, chegando à fase a eliminar em duas ocasiões.

Roger enfrentou o Benfica, então liderado por Jorge Jesus, na fase de grupos de uma destas caminhadas europeias – venceu por 3-1 na Alemanha e empatou em Lisboa num jogo sem golos.

Alguns maus resultados culminaram na saída do treinador em março de 2017. Foi quando rumou à China, onde conquistou uma Taça ao serviço do Beijing Guoan, antes de regressar à Europa. A passagem pelo PSV, entre 2020 e 2022, foi a última antes de chegar à capital portuguesa.

Chegar, ver e vencer: fantasmas não passam pela Luz

O Benfica, na figura de Rui Costa, não apostou num treinador de extenso palmarés. Apostou em alguém que, com convicções vincadas, melhorou o jogo das equipas por onde passou e conquistou a admiração dos adeptos.

Na Luz, algum fantasma poderá ter aparecido depois das três derrotas seguidas e da eliminação na Liga dos Campeões – prova em que o Benfica foi equipa sensação ao passar em primeiro num grupo com PSG e Juventus.

No entanto, a maturidade e a qualidade do plantel superaram qualquer cansaço físico ou pressão mental, rumo ao título da Primeira Liga. E Schmidt, considerado um treinador que pouco ou nada mexe, criticado pela falta de alternativas, foi destemido no momento decisivo.

Lançou a campo quem justificava ganhar espaço e venceu um embalado SC Braga (num dos duelos mais importantes do campeonato) com um meio-campo formado por João Neves e Chiquinho.

Com uma serenidade típica alemã, Roger Schmidt não prometeu mais do que “muito trabalho” e “bom futebol” quando chegou. Agora, admite que a fasquia subiu.

“Vamos atrás de títulos e isso é uma grande motivação para mim. Foi uma decisão clara, para mim, permanecer mais tempo no Benfica” disse o treinador, em março, após renovar contrato até 2026.

Últimas