A voz é uma das ferramentas que mais utilizamos para comunicar. Todos os dias a utilizamos para partilhar ideias com colegas de trabalho, para falarmos com amigos e familiares, para sussurrarmos segredos, para gritarmos descontentamentos.
Mas será que sabemos cuidar da nossa voz? Que doenças podem estar associadas ao aparelho vocal? E a que sintomas devemos estar atentos
Este domingo, dia em que se assinala o Dia Mundial da Voz, a médica do serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Braga, Berta Madureira Rodrigues, dá a resposta a estas e outras perguntas.
O que podemos fazer para cuidar do nosso aparelho vocal?
“A primeira dica é mesmo o estilo de vida saudável, quer a nível alimentar, quer a nível de exercício físico, quer a nível de hábitos: não fumar e evitar ambientes tóxicos”, começa por explicar a médica.
Mas há outras recomendações a seguir. Falar devagar, não falar muito alto, fazer pausas respiratórias, beber água e evitar manobras agressivas (como pigarrear e tossicar) podem ajudar a manter a saúde do aparelho vocal.
Também devemos ter algum cuidado com os alimentos que ingerimos. Devem ser evitados alimentos que possam propiciar o refluxo gastroesofágico, como bebidas gaseificadas, bebidas alcoólicas, bebidas pretas (café, chá preto) e alimentos mais condimentados, mais gordurosos.
E como pode o refluxo gastroesofágico afetar a voz?
“O refluxo é quando há conteúdo gástrico, nomeadamente, ácido gástrico ou até conteúdo alimentar que acaba por não ficar no estômago e ascende através do esófago, podendo atingir a zona da laringe e causar inflamação”.
Há quem diga que comer maçãs e citrinos pode ajudar. É mito ou verdade?
A fruta é saudável e recomenda-se. No entanto, neste caso, as frutas ácidas podem agravar o refluxo gastroesofágico – “que é uma patologia frequente”, aponta Berta Madureira Rodrigues.
Para a médica, os alimentos ácidos – “E há muitas frutas ácidas” – podem prejudicar o aparelho vocal se agravarem o refluxo. E, segundo a otorrinolaringologista, dizer que a maçã “é um alimento particularmente indicado ou até com algum intuito curativo” pode ser “mais mito do que verdade”.
O ambiente pode ter impacto na voz? Que efeito podem ter os ares condicionados?
Os ambientes extremos não são bons para a voz. Locais onde está demasiado calor ou demasiado frio podem desencadear problemas vocais. No caso da presença de um ar condicionado, o ar fica menos húmido, mais seco, e, por isso, é fundamental reforçar a hidratação.
Os ambientes com tabaco, principalmente, em recintos fechados, podem ser prejudiciais. Deve existir também um especial cuidado em “empresas e laboratórios que trabalham com produtos tóxicos, cujos ambientes não possuam uma boa exaustão e arejamento”.
Berta Madureira Rodrigues afirma ainda que os ambientes muito ruidosos promovem um “maior risco vocal”, uma vez que existe a necessidade de falar mais alto. Por isso, é recomendável “baixar o ruído para evitarmos os abusos vocais”.
Há profissões com maior risco de problemas vocais?
“Todas as profissões que usem mais a voz têm um maior risco de desenvolver alguma patologia se não tiverem cuidados adequados”, responde a médica. “Há, de facto, profissões com maior risco”. Entre elas, professores, advogados, cantores, padres e até jornalistas.
Utilizando os cantores como exemplo, Berta Madureira Rodrigues, refere que alguns profissionais “já têm um acompanhamento mais adequado”, muitas vezes, com “um otorrino de rotina, um terapeuta da fala ou um professor de canto com os quais vão trabalhando e que vão, no fundo, prevenindo ou tratando alguma situação que, entretanto, ocorra”.
Também os professores recorrem muito aos otorrinolaringologistas.
“Procuram muito por uma mera questão preventiva ou porque já têm alguma sintomatologia que merece observação ou orientação”, revela.
Quais são as principais doenças relacionados com a voz?
“Grande parte das doenças a nível da voz são patologias benignas, sejam elas a nível das cordas vocais ou da laringe, nomeadamente inflamações causadas por infeções respiratórias, ou como consequência de refluxo gastroesofágico. Também há doenças neurológicas que podem afetar a mobilidade das cordas vocais”, aponta a especialista.
No entanto, o maior desafio está em diagnosticar de forma precoce as patologias malignas da laringe, ou seja, o cancro da laringe. Se for descoberto numa fase inicial, Berta Madureira Rodrigues diz que é possível fazer “uma cirurgia que o remova sem deixar qualquer célula tumoral na zona e, inclusivamente, não seja necessário fazer nenhum tratamento adjuvante, nomeadamente, a radioterapia”.
Todavia, nem sempre o diagnóstico é feito numa fase precoce e, segundo a médica, “há toda uma extensão da doença que, por vezes, acaba por não ser tratável, com mau prognóstico”.
Por norma, deve-se estar atento a estes sintomas: rouquidão, sensação de corpo estranho na garganta, necessidade de pigarrear, de tossicar, tosse irritativa, dificuldades respiratórias, dificuldade e/ou dor na deglutição.
Conforme refere Berta Madureira Rodrigues, o Dia Mundial da Voz serve para sensibilizar e alertar para alguns sintomas. O Hospital de Braga, tal como em anos anteriores, leva a cabo um rastreio gratuito tendo em vista a prevenção das doenças da laringe e a promoção da qualidade de voz. As inscrições podem ser feitas através do telefone 253 027 381 e são limitadas.
“O rastreio consiste numa breve conversa com as pessoas que comparecem para tentar perceber se há algum sintoma mais preocupante e depois é efetuado o exame físico, nomeadamente, uma laringoscopia – um exame de endoscopia para observação da laringe, de modo a verificar se existe alguma alteração que seja digna de alguma orientação ou tratamento”, refere a especialista daquela unidade de saúde.