São receitas apuradas ao longo de séculos e conservadas por várias gerações com muito para contar. Na sua maioria de origem conventual, estas doces tentações convidam a uma viagem de puro prazer pela história, herança e envolvente sabor. Para conhecer no guia “Tascas, Petiscos & Doces”, nas bancas a partir de 24 de novembro. Para abrir o apetite, conheça alguns dos mais emblemáticos doces da região Centro:
Pastéis de Tentúgal
A receita deste doce conventual remonta ao século XIX, tendo nascido no Convento de Nossa Senhora do Carmo de Tentúgal. Era fonte de subsistência para as freiras, despojadas de fontes de rendimento aquando da abolição dos conventos. Com o encerramento do Convento em 1898, coube às mulheres das localidades vizinhas preservar o legado que até hoje dura e afirmou os Pastéis de Tentúgal como um dos doces mais emblemáticos da doçaria nacional. O folhado fino e estaladiço, estendido por mão hábeis, e o recheio rico de doce de ovos contribuem para a fama desta especialidade. A Pousadinha, em Tentúgal, assume-se atualmente como a grande guardiã desta tradição. Pode adquirir apenas uma unidade (€1,40) ou familiares caixas de seis.
Ovos-moles
Reza a história que no Mosteiro de Jesus de Aveiro as religiosas utilizavam a clara de ovo para engomar os hábitos. Para não desperdiçar as gemas, utilizavam-nas na base deste doce. Com a extinção dos conventos, coube às senhoras educadas pelas freiras perpetuar a receita, que era vendida junto à linha do comboio que liga Lisboa ao Porto por mulheres trajadas com fatos típicos. Vinham em pequenas barricas de madeira, pintadas como os barcos moliceiros, sendo posteriormente usada a hóstia, com variadas formas, para mais fácil consumo. O segredo dos Ovos-moles é a utilização de gemas muito frescas, açúcar em ponto e a confeção: não podem ser mexidas em círculo, para não estriarem. A Confeitaria Peixinho, em Aveiro, fundada em 1856, é a mais antiga casa a comercializar Ovos-moles (€1,60).
Pampilho
Presta homenagem aos campinos devido à forma e ao nome, que remete para a vara usada para conduzir o gado. Habitualmente recheado de doce de ovos e canela, também pode ter recheio de chocolate. Foi criado na Pastelaria Bijou, segundo o proprietário “quase por brincadeira”, uma vez que já andavam fartos de confecionar Celestes e Arrepiados, os doces típicos da cidade. Pensou-se em usar uma massa areada, macia e com o formato comprido, remetendo para as varas que conduziam o gado. O sucesso foi imediato, ganhando em pouco tempo o estatuto de doce “típico de Santarém”. Os responsáveis pastelaria continuam a guardar o segredo na confeção do Pampilho (€1,40), que não é partilhado por ninguém fora da cozinha.
Morgado do Bussaco
Nasceu na opulência palaciana do Palace Hotel do Bussaco, como forma de substituir um doce muito famoso do hotel, criado por Conrad Wissman e Emília Wissman, ele um reputado cozinheiro-pasteleiro que emigrou da Alemanha, ela, pasteleira local responsável pela criação do Amores da Curia. É feito com panquecas, que levam claras em castelo, farinha de noz, mel e açúcar, sendo cada “disco” ou andar do doce levado ao forno durante 10 minutos, para solidificar e criar uma consistência crocante. São depois colocados sobrepostos, recheados de doce de ovos e no topo levam nozes, mais doce de ovos e açúcar em pó. Servido à fatia no restaurante Rei dos Leitões, na Mealhada, pode também ser adquirido inteiro (€50), para servir em casa como final de um almoço de família e até mesmo como bolo de aniversário.
Pão-de-ló de Ovar
É conhecido como “pito” o interior húmido e cremoso que distingue o Pão-de-ló de Ovar dos homónimos de outras zonas do país. De cor amarela intensa devido aos ovos que integram a massa leve e fofa, de côdea macia, exige uma confeção e cozedura atentas, seguindo a receita original, cujas primeiras referências remontam ao século XVIII: ovos – sobretudo gemas -, farinha e açúcar instalam-se numa forma forrada de grosso papel almaço antes de chegarem ao forno, onde requerem apurado tempo de cozedura. É a perícia do pasteleiro que determina a quantidade do “pito”, diferencial máximo deste doce típico de Ovar, com Indicação Geográfica Protegida, que pode provar na Flor de Liz, no Pão de Ló de Ovar Cruz e na Confeitaria Cardoso, em Ovar.
Brisas do Lis
São confecionadas com apenas três ingredientes-base: os ovos, o açúcar e as amêndoas. Deram origem ao brasileiro Quindim e a sua história remonta a tempos ancestrais, onde as lendas se misturam com a realidade. Se, por um lado, relatos há de terem sido criadas no Convento de Santana e espalhadas à população, outros contam ter sido em Angola que o doce foi criado, pela arte doceira de Maria do Céu Lopes e Georgina Santos, que posteriormente as comercializaram no início do século XX no Café Colonial, um dos mais emblemáticos de Leiria, sob o nome de Beijinhos do Liz. Como esta denominação era propicia a trocadilhos, optaram por mudar para o nome de Brisas do Lis (€1,40), pelo qual ainda hoje é conhecido e comercializado na Pastelaria Maglice.
Este texto foi adaptado do guia “Tascas, Petiscos & Doces”, com produção Boa Cama Boa Mesa, nas bancas a partir de 24 de novembro de 2023.