O procurador-geral da República não comenta se o caso polémico da empresa familiar do primeiro-ministro levanta indícios de crime. Mas o que diz a lei? Pode ou não a consultora criada por Luís Montenegro estar a receber uma avença, mesmo que o negócio tenha passado para a mulher?
Há dois anos, Luís Montenegro renunciou à gerência da consultora. Nessa empresa, detida agora apenas pela mulher e os filhos do primeiro-ministro, presta serviços a cinco clientes. Só a Solverde, o grupo de casinos e hotéis, paga uma avença mensal de 4.500 euros.
O primeiro-ministro tem estado a receber dinheiro de um privado?
“Se o primeiro-ministro não recebe diretamente, acaba por receber indiretamente”, afirma o advogado Paulo Veiga Moura, em declarações à SIC.
“O primeiro-ministro é casado com a mulher, em comunhão de adquiridos, e, portanto, os proventos que a sociedade gere revertem, como é lógico, para o agregado familiar e para a economia comum desse mesmo agregado familiar”, sustenta.
A empresa é de tal forma familiar que a sede continua a ser na casa de Espinho do primeiro-ministro e o contacto oficial da mesma é o do telemóvel de Luís Montenegro.
Quando a consultora Spinumviva foi criada, a 21 de janeiro de 2021, o primeiro-ministro não tinha, à data, qualquer cargo público. Tornou-se sócio maioritário e a mulher e os dois filhos também entraram na sociedade. O casal ficou com a gerência do negócio.
A 30 de junho do ano seguinte, um mês depois de vencer as eleições internas no PSD, Montenegro renunciou à empresa.
Tomou posse como presidente do partido em julho. E, em agosto, transmitiu a quota de 3750 euros: quase tudo para a mulher, com uma parte mais pequena para cada um dos filhos. Um deles passou a gerente. A mulher do primeiro-ministro tornou-se sócia maioritária.
É válida a transmissão da quota para a mulher?
“Juridicamente, é uma questão discutível”, admite o advogado Paulo Veiga Moura. “Acho que, à face da lei, não pode ser feito e, portanto, será uma transmissão nula.”
“É um veículo para que tudo, na prática, fique na mesma”, constata.
Além do grupo Solverde, a empresa criada pelo primeiro-ministro tem como clientes outras quatro, entre elas a Rádio Popular e a Ferpinta. Duas empresas das quais Luís Montenegro foi presidente das assembleias-gerais.
Estará o primeiro-ministro a violar a lei?
“Não me parece que haja qualquer tipo de crime aqui”, afirma Paulo Veiga Moura.
“O sr. primeiro-ministro fez um ato lícito. Não significa que necessariamente a posição do primeiro-ministro continue a ser perfeitamente transparente”, admite, contudo, o advogado.
“Tenho alguma dificuldade - não só enquanto jurista, mas enquanto cidadão - em aceitar que nós possamos continuar a viver com uma situação deste género”, conclui.
O procurador-geral da República não quis comentar o caso.
O primeiro-ministro presta declarações ao país este sábado, às 20h00.