O relatório, elaborado por uma Comissão Independente (CI) aos alegados casos de assédio sexual e moral no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, foi divulgado esta quarta-feira e admite “padrões de conduta de abuso de poder e assédio”.
"A documentação apresentada e as audições realizadas, tanto de pessoas denunciantes como de pessoas denunciadas, não permitiram esclarecer indubitavelmente a existência ou não da ocorrência de todas as situações comunicadas à CI, (…) Contudo, da análise de toda a informação reunida, bem como das versões entre as pessoas denunciantes e denunciadas (…), indiciam padrões de conduta de abuso de poder e assédio por parte de algumas pessoas que exerciam posições superiores na hierarquia do CES", lê-se no documento.
Ou seja, nem todas as versões foram passíveis de serem verificadas, mas houve relatos o suficientemente compatíveis para a Comissão Independente admitir indícios de assédio e abuso de poder.
O artigo denunciante
Em abril de 2023 três investigadoras lançaram um artigo de investigação que abalou o meio académico.
No artigo “The walls spoke when no one else would” ("As paredes falavam quando ninguém o fazia", em tradução livre), que faz parte do livro “Sexual Misconduct in Academia” ("Condutas sexuais impróprias na Academia"), as três investigadoras apontam três figuras centrais: o “Professor Estrela”, o “Aprendiz” e uma “Vigilante”.
Percebe-se, através do currículo das investigadoras (as três passaram pelo CES), que Boaventura Sousa Santos, reputado sociólogo e professor universitário, será o chamado “Professor Estrela” e o professor e co-coordenador de um programa de doutoramento, Bruno Sena Martins, o “Aprendiz”. Contactado pelo Diário de Notícias, Boaventura Sousa Santos reconheceu-se na descrição das antigas alunas, mas negou todas as acusações. O mesmo disse Bruno Sena Martins à revista Sábado.
De acordo com as investigadoras, terá sido montada dentro da instituição uma estrutura de poder que levava a abusos, quer de índole sexual quer de caráter moral. No artigo pode ler-se que “o extrativismo sexual” do “Professor Estrela” era “bem conhecido entre as investigadoras" e era “reproduzido” pelo “Aprendiz”.
Segundo os relatos, o “Aprendiz” chegou a convidar os alunos para jantares informais na sua casa onde levava a cabo conversas alegadamente desconfortáveis.
Boaventura de Sousa Santos negou as acusações.
Denúncias surgiram
Após a polémica misteriosa e vaga, pelos nomes de código, várias mulheres acusaram sociólogo de assédio sexual e moral, como uma investigadora brasileira e uma ativista indígena.
O Ministério Público não investigou o processo, na altura, tendo em conta que não chegou à justiça qualquer queixa relativa aos dois investigadores visados.
Boaventura de Sousa Santos negou ainda mais os acontecimentos, tendo enviado ao jornal Público vários documentos para sustentar a sua versão
Confirmou um jantar com uma queixosa, mas não a ida ao apartamento. Revelou ainda e-mails posteriores que alegadamente demonstram uma relação amistosa.
Comissão Independente
O sociólogo Boaventura Sousa Santos apelou para que o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC) criasse com "máxima urgência" a comissão independente que investigará as acusações de assédio de moral e sexual contra si.
E tal aconteceu.
O relato de nove mulheres contra o investigador foram compilados num dossier de 213 páginas e entregues à tal comissão independente que foi criada para estudar as denúncias iniciais.
A comissão independente decidiu que apenas no final do trabalho iria revelar os dados recolhidos.
E, agora, aqui chegamos.