O professor catedrático e sociólogo Boaventura de Sousa Santos reage às acusações de assédio sexual e moral de que foi alvo num artigo publicado por três investigadoras, afirmando estar a ser vítima “de uma difamação anónima, vergonhosa e vil", assim como alguns colegas e o próprio Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.
Numa carta aberta, com o título ‘Diário de uma difamação - 1’, Boaventura de Sousa Santos adianta que se encontra em Santiago do Chile, onde participa na feira do livro, e aponta o dedo a uma das investigadoras.
"Apesar de o artigo estar centrado na minha pessoa, nunca tive reuniões com duas das autoras (Miye Tom e Catarina Laranjeiro) e com a terceira, a principal autora (Lieselotte Viaene), tive duas reuniões, uma como seu supervisor do estágio Marie Curie quando chegou ao CES e outra como director estratégico do CES, a pedido do director executivo, para tentar resolver os problemas do comportamento incorrecto e indisciplinado do ponto de vista institucional desta investigadora. O seu comportamento foi de tal ordem insolente e incorrecto que o CES acabou por lhe abrir um processo disciplinar e não aceitou que ela indicasse o CES como instituição de acolhimento num projecto de candidatura ao European Research Council", escreveu o professor catedrático.
O processo disciplinar, assegura o professor catedrático, terminou com a expulsão da investigadora do CES, em junho de 2018. Boaventura de Sousa Santos, que é agora diretor emérito do CES, defende que, da parte desta investigadora, as acusações traduzem-se num “acto miserável de vingança institucional e pessoal”. Assim adianta que vai apresentar uma queixa-crime por difamação, visando as três autoras do artigo.
“Independentemente dos procedimentos internos e judiciais que o CES vier a adoptar, quero informar-vos de que vou apresentar uma queixa crime por difamação contra as autoras. Declaro-me disponível para dar todas as informações e prestar todos os esclarecimentos que me sejam pedidos, quer no âmbito do processo judicial, quer no âmbito dos processos internos, que o CES certamente vai pôr em movimento.”, conclui o professor catedrático, de 82 anos.
Tentativa de “assassinato de caráter”
Boaventura de Sousa Santos sublinha estar de “consciência bem tranquila” e pronto a confrontar “qualquer suposta vítima com serenidade e sentido de responsabilidade” para se defender do que considera um “assassinato de caráter”.
“É para mim evidente que o texto difamatório de que sou vítima e a instituição que dirigi durante mais de quarenta anos configura uma intenção de assassinato de carácter que corresponde a um padrão de comportamento bem documentado na literatura e que neste caso se centrou minha pessoa para proceder à vingança institucional.”, sublinha o sociólogo.
Convívios em restaurante após as aulas
O “Professor Estrela”, como é apelidado no artigo científico, aponta um dos aspetos que mais o “ofendeu” como sendo a abordagem dos convívios que “durante muitos anos” aconteceram depois das suas aulas, num restaurante de Coimbra.
As três ex-alunas descrevem que “este tipo de desequilibradas relações de poder ocorria frequentemente sob a forma de eventos sociais como fazendo parte da cultura institucional, tais como jantares em restaurantes e casas particulares, onde se encorajavam relações pessoais mais íntimas entre investigadores de diferentes posições hierárquicas”, e que seria uma “regra não escrita” a presença nesses encontros.
Boaventura de Sousa Santos nega alguma vez ter “promovido festas em casa” e sublinha que apenas "mentes perversas podem transformar o mais são convívio entre estudantes e professores e maquiavélicas maquinações de pastores de pobres rebanhos de estudantes."
“Convido todos e todas a irem ao restaurante ver os quadros de azulejos com os nomes dos estudantes de doutoramento que ao longo dos anos partilharam bons momentos de conversa, leitura de poesia e música. Diz-me o dono do restaurante que ainda hoje vêm estudantes do Brasil mostrar aos seus filhos os quadros onde estão os seus nomes quando eram aqui estudantes. Que perversidade pode transformar uma convivência no mais puro espírito académico em manipulações de consciência e em rituais de fidelidade!”, remata.
Polémica nasceu de artigo científico
A polémica surgiu na terça-feira, depois de ser tornado público um capítulo do livro "Sexual Misconduct in Academia" ("Condutas sexuais impróprias na Academia"). No texto, com o título "The walls spoke when no one else would" ("As paredes falavam quando ninguém o fazia", em tradução livre), as três investigadoras - uma belga, uma portuguesa e uma norte-americana - descrevem como se terá desenvolvido uma estrutura de poder dentro da instituição que permitia os abusos. O Centro de Estudos Sociais reagiu às acusações ao anunciar que vai constituir uma comissão independente para investigar estas denúncias.