A política é a busca constante de nobreza na dissimulação, de convívio da tática com autoridade, de equilibrismo entre instinto e objetivo. Na televisão, essa corda bamba estreita-se. Para um político com ambições, ainda mais.
Marques Mendes não pode ser presidencial ao domingo e não presidenciável à quinta-feira e, há semanas, resolveu esse dilema da melhor maneira: avançou ele próprio a possibilidade de uma candidatura a Belém. Pedro Nuno Santos, na sua estreia na SIC Notícias, ontem à noite, escolheu o caminho oposto: desmentiu a inevitabilidade; negou o indesmentível. Não será candidato à liderança do PS contra António Costa, revelou, encobrindo um desejo que nunca fez por disfarçar.
O normal, claro, mas não necessariamente o melhor.
A exposição semanal como comentador televisivo obriga-o a espaçar essa maratona, a contemporizar, a hibernar a mais inata das suas características: o voluntarismo. Impele-o, de um modo, a contrariar a sua natureza. E isso foi visível ‒ tão visível ‒ na entrevista conduzida pela jornalista Nelma Serpa Pinto.
Quase como num colete de forças, Pedro Nuno deu mais um passo na sua peregrinação como favorito à sucessão de António Costa. Terá percebido que um estúdio pode ser mais exigente do que uma CPI e que os microfones de lapela não oferecem a simpatia de um púlpito. Já sobreviveu a pior, com certeza. Mas não é certo ‒ por agora ‒ que tenha decidido bem. Isto é: que fazer uma travessia do deserto sem direito a silêncio o leve a bom porto.
O desafio não é invejável. Tem de agradar ao PS, não sendo caixa de ressonância da maioria absoluta. Tem de seduzir a esquerda, não se confundindo com os partidos da esquerda, crescentemente críticos do Governo a que pertenceu. O gelo é fino e a margem curta. Exigirá, sem dúvida, o máximo do seu talento político. A questão é que essa exigência pode não ser compatível com as suas melhores características. Ou seja, que o trapézio da televisão force uma elasticidade que não é a sua.
Pedro Nuno é afirmação, frontalidade, carisma. E um ex-governante, agora deputado, com o mesmo primeiro-ministro em funções, está limitado tanto na crítica como na proposta. Não pode divergir sem parecer desleal, nem corrigir sem passar por hipócrita. Tem de se proteger, mostrando-se. De se dar a conhecer, escondendo-se.
A encruzilhada é essa e, ontem, aconteceu mais do que uma vez. O investimento público, “fundamental para a economia”, que o primeiro executivo a que pertenceu reduziu a mínimos históricos. A queda do seu partido nas sondagens, que, jura, nada tem que ver com os erros que tiveram o seu ministério como epicentro. A crise na Habitação, que hoje não seria tão grave se “os governos anteriores” ‒ aos do PS, claro ‒ tivessem colocado as casas no mercado que ele também não colocou.
E esse não será um problema apaziguado pela passagem do tempo, pelo contrário. Os sucessos do Governo serão os de Costa, e cada um deles mais uma volta na espera de Pedro Nuno. E os insucessos do Governo serão os do PS, e cada um deles mais um desgaste no partido com que tenciona disputar futuro. O seu trapézio tem uma rede, que já o salvou de mais do que uma escorregadela, e ela é evidente para qualquer observador: a sua personalidade. O ponto é que, ontem, mal a vimos.
É essa a particularidade da televisão para um político como Pedro Nuno Santos: pode acabar a confundi-lo com aquilo de que mais deseja diferenciar-se. Alguém que não acredita em nada.