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Pizarro entre o que tem feito e o que falta fazer

Opinião de Tiago Correia. Não há como não pensar na dualidade da ação de Pizarro. Se foi capaz de fazer tudo o que tem feito em menos de um ano, é legítimo perguntar por que motivo não foi capaz de aprovar os estatutos da Direção Executiva do SNS.
RODRIGO ANTUNES

Tiago Correia

O ministro da Saúde tem estado na berlinda e dele tem-se ouvido uma narrativa bem ensaiada. O SNS está a produzir mais e a criação da Direção Executiva está a obter os primeiros resultados. Por exemplo, as baixas médicas serem passadas nos hospitais públicos e no setor privado, o prolongamento das baixas por doença oncológica, a medicação crónica ser levantada sem receita ou os centros de saúde funcionarem no fim de semana.

Há o reforço de investimento para obras de requalificação de blocos de partos e a passagem de todas as Unidades de Saúde Familiar para o modelo B, o que significa que os profissionais terão um aumento salarial pelo cumprimento de objetivos clínicos e que cerca de 200 mil portugueses passarão a ter médico de família.

Estas medidas são algumas das mais recentes, havendo muitas outras para trás. Sobre todas elas não me lembro de ter ouvido críticas declaradas. Muito pelo contrário.

Mas se assim é, por que motivo as dificuldades na saúde continuam a marcar a agenda mediática?

Claro que há aproveitamento político – veja-se o destaque que o PSD decidiu dar ao setor depois da iniciativa parlamentar do IL. Mas uma leitura justa mostra que este aproveitamento é a consequência de problemas e não a causa do mediatismo.

O que quero dizer é que apesar dos esforços, as dificuldades do SNS são factuais. Isso mostrou o Conselho das Finanças Públicas: a insustentabilidade financeira, a par do aumento de portugueses sem médico de família e em listas de espera para cirurgias e cuidados continuados.

Tudo isto significa que tanto é verdade que Manuel Pizarro tem trabalho feito como é verdade a crítica de que não é suficiente para melhorar a vida de quem trabalha no SNS e dele precisa.

Não é clara a forma como isso afeta o ministro. Só ele sabe se o que mais ambiciona é ser recordado como o ministro da Saúde que cumpriu as promessas ou ter demonstrado a quem precisa demonstrar que é a melhor opção para outros desafios políticos – assim de repente ocorre-me a Presidência da Câmara do Porto.

Não há como não pensar na dualidade da ação de Pizarro. Se foi capaz de fazer tudo o que tem feito em menos de um ano, é legítimo perguntar por que motivo não foi capaz de aprovar os estatutos da Direção Executiva do SNS, dando o flanco ao desgaste de um organismo que tinha a obrigação de funcionar acima de qualquer crítica de falta de transparência, de responsabilização ou abuso de poder.

Também é legítimo perguntar por que motivo não tem ido ao encontro das reivindicações dos profissionais. Corrijam-se os problemas que se quiserem corrigir, mas enquanto não se mexer nas grelhas salariais e na progressão das carreiras, a contestação irá manter-se. Isto aplica-se a médicos, enfermeiros, farmacêuticos e demais grupos.

Marta Temido prometeu-o e Pizarro sabe disso. Aquando da aprovação do Orçamento de Estado de 2023 o ponto já tinha sido sinalizado.

As reivindicações laborais são justas face ao que ainda não foi reposto desde o tempo da troika e face à necessidade de travar a fuga do capital humano para o setor privado e para o estrangeiro. Os recursos humanos disponíveis não permitem o regular funcionamento de todos os serviços do SNS, como tão bem se vê no caso das urgências de obstetrícia.

Comprovo o que disse quando Pizarro assumiu funções: tem força política, mas a sua governação traz pontos de interrogação. Se Fernando Araújo parece aceitar o facto de governar a Direção Executiva sem estatutos, no caso dos sindicatos dos médicos, Pizarro esticou a corda. Não se pode queixar, porque as greves anunciadas pela FNAM e pelo SIM não foram um bater de porta, mas o pedido – talvez o derradeiro – de que cumpra uma promessa justa.

A cabeça do ministro não está a prémio, mas o seu futuro joga-se muito no que fizer nestas matérias.

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