Marta Temido recordou os tempos enquanto ministra da Saúde em entrevista à SIC Notícias. Entre a pandemia, o descontentamento dos profissionais de saúde e as relações com Graça Freitas, a ex-ministra diz ter gosto em cada momento, mesmo dos maus, um deles que levou à sua demissão.
Marta Temido comunicou a sua demissão na madrugada de 30 de agosto de 2022 e, tendo em conta as horas que a informação foi dada, a decisão pareceu ter sido tomada sem muita antecedência, como confirma a ex-ministra.
“Decidi nesse dia, essa decisão (…) foi um somatório de um conjunto de circunstâncias. Foi tomada na noite em que comuniquei ao Sr. primeiro-ministro e em que o Sr. primeiro ministro a aceitou e comuniquei aos portugueses. Mas foi quando tive conhecimento que entendi, e ainda sem um total esclarecimento, do que tinha acontecido”, explica.
O que tinha sucedido foi a morte de uma grávida transferida por falta de vagas na neonatologia do Hospital de Santa Maria, num verão marcado pela crise no setor de obstetrícia.
A decisão foi dada ao primeiro-ministro, António Costa, por chamada telefónica, e Temido esclarece que foi recebida com compreensão.
Esse momento marcou a ex-ministra, que percebeu a desconfiança com que os portugueses encaravam o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“Naquele dia, aquela foi a gota de água, houve um momento que senti que, independentemente de culpa, essa confiança dos portugueses no SNS, mediada por aquela ministra, estava posta em causa, não foi um desistir de lutar (…) não foi um capricho , não foi um atirar a toalha ao chão”, esclarece Marta Temido.
O pior dia enquanto ministra
O percurso enquanto ministra da Saúde não foi pouco atribulado e, por isso, Marta Temida evidencia o pior período pelo qual teve que passar enquanto estava encarregue da saúde de todos os portugueses.
“Estar no Ministério da Saúde, do sexto andar, do número 9 da Avenida João Crisóstomo, à noite a ouvir as ambulâncias a passar em Lisboa, janeiro de 2021, num momento em que há cortes na rede de oxigénio em vários hospitais em que precisamos de transportar doentes do hospital Amadora-Sintra para outros hospitais, precisamos de encontrar soluções que materialmente eram impossíveis”, relembra a ex-ministra.
No entanto, apesar desses momentos “terríveis”, Marta Temido confessa ter sentido muita solidariedade por parte dos diretores dos conselhos de administração dos hospitais que comunicavam todos entre si, públicos ou privados, para encontrarem soluções à crise hospitalar que assolou Lisboa nesse mês de pandemia.
O papel do setor privado e público na covid-19
Foi essa cooperação que sustentou a saúde do país nesse período pandémico, conforme assinala a ministra, e sublinha que a perceção do SNS querer agir sozinho, na altura, era errada.
“Os operadores privados e do setor social foram essenciais para a resposta à pandemia. Há muita coisa que acontece que é explorada, porque interessa politicamente ser explorada, mas isso é da vida e é desta vida.”
A ex-ministra até assume que muitos privados contribuíram mais para o setor público que próprias entidades do SNS, tendo em conta que o grupo “não era tão coeso quanto se poderia pensar ou quanto se gostaria de receber”.
Atual Direção Executiva do SNS
No que diz respeito à nomeação de Fernando Araújo, atual diretor executivo do SNS e com quem a ministra não estabeleceu a melhor relação no fim do seu mandato, Marta Temido é cautelosa a revelar a sua opinião.
“Para preservação pessoal, e do próprio processo político, entendi não comentar saúde. Não há nada pior que os fantasmas do verão passado, agora é outro tempo, são outros protagonistas e outro processo e, da minha parte, um voto muito sincero para que tudo corra o melhor possível” , salienta Temido.
Para além disso, Marta Temido revela que confia e tem expectativa no novo grupo que dirige o SNS, tal como os portugueses. Da mesma forma, continua a sentir-se “segura com o SNS, independentemente dos atores”.
“O SNS tem dentro dele mais força do que um protagonista, seja Marta Temido, Fernando Araújo, Manuel Pizarro, António Costa. O SNS tem dentro dele felizmente uma consistência que é muito mais que protagonistas”, realça.
A relação com os profissionais de Saúde
No seu mandato, para além das crises nas instituições que prestam cuidados, os próprios prestadores não se sentiram apoiados pela ministra, nem satisfeitos com as reivindicações não correspondidas na altura.
Porém, Marta Temido admite que o desagrado dos profissionais de saúde seria a última coisa que quereria.
“Se sentiram, peço desculpa por isso, porque era a última coisa que desejaria”, afirma.
Os pedidos de desculpa não ficam apenas para os profissionais de saúde, mas também para quem a rodeava no dia a dia, devido às tensões do trabalho e da pasta que assumiu e ao seu temperamento, que “fervia em pouca água”. A ex-ministra admite não ter facilitado a comunicação com quem trabalhava.
“Quando olho para trás penso que houve muitos dias que eu tratei de determinada forma, pelo cansaço e exaustão, pessoas que deram tudo por tudo pelos portugueses e é esses momento que guardo amargo de boca, é disso que guardo mágoa, de resto não guardo mágoa”, confessa Temido.
Marta Temido e Graça Freitas: a cara da pandemia
Tanto a ex-ministra como a quase ex-diretora geral da Saúde, Graça Freitas, admitiram na altura não querer passar férias uma com a outra, no entanto Temido assume que isso não implica inimizade entre as duas mulheres que estiveram na televisão todos os dias a comunicar com os portugueses desde o inicio da pandemia.
“Precisávamos as duas de descanso (…) qualquer uma de nós representa, uma para a outra, a pandemia. Com a doutora Graça Freitas teria todo o gosto em passar férias num outro contexto, até porque é uma mulher absolutamente extraordinária em termos da sua capacidade de resistir”, admite.
Apesar de todo o reboliço, de uma pandemia, cujos modos de atuar eram totalmente desconhecidos e inexistentes, e com a existência de outros problemas de saúde que acabaram por ficar em segundo plano, a ex-ministra Marta Temido não esconde o orgulho que tem nos momentos que passou.
“Tenho gosto em cada momento da história deste período, mesmo dos momentos maus.”, conclui.
O futuro político de Temido
Atualmente, Marta Temido substituiu provisoriamente Davide Amado, que se demitiu da presidência da concelhia de Lisboa do PS após ter sido noticiado pela CNN Portugal/TVI que está acusado de participação económica em negócio e abuso de poder.
A antiga titular da pasta da Saúde era a número dois da lista à concelhia socialista de Lisboa e subiu à presidência até à realização de novas eleições. Mas, por enquanto, recusa assumir-se como candidata socialista para enfrentar Carlos Moedas na presidência da Câmara.
"Eu não sou candidata a nada. Por várias ordens de razões, primeiro porque isso exige pensamento estrutural que eu não tenho, que não é da minha natureza.", explica.
À primeira pergunta sobre se tem a expectativa de se candidatar à Câmara de Lisboa, Marta Temido descarta qualquer plano político, mas, na insistência a militante socialista desde 2021, acaba por admitir que a candidatura à Câmara pode ser uma consequência das funções que assumiu há menos de um mês como presidente do PS no concelho de Lisboa.
O propósito, neste momento, não é a presidência, mas a "oposição", como refere a ex-ministra.
No entanto, Marta Temido já tem agenda de preocupações para a capital.
“Nós temos, para as grandes preocupações de quem vive neste concelho, em termos de habitação, essa chaga, em termos de mobilidade, essa dificuldade, com efeitos ambientais terríveis, em termos sociais, com uma cidade cada vez mais desigual e com enorme diversidade, em que é preciso manter coesão. Isso é que são as preocupações que vale a pena ter.”, expõe.
O que poderia ser classificado como um projeto de programa até inclui um apelo à mudança de práticas.
Pedro Costa, filho do primeiro-ministro, e presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique em Lisboa, até já disse que é inevitável colocar o nome de Marta Temido na lista de candidatos à Câmara.