Opinião

A maldição de Rui Costa

Opinião de João Rosado. Ao descer à condição de diretor-desportivo, o presidente prejudica tudo e todos.
Gualter Fatia/Getty Images

João Rosado

O Natal no futebol português é sempre que o Manchester United quiser. Nos últimos 20 anos, os três grandes clubes nacionais têm beneficiado imenso com a generosidade de quem zela pelo espetáculo no Teatro dos Sonhos, não olhando a meios para acrescentar talento made in Portugal.

Isto vale para jogadores e para treinadores, claro. De Cristiano Ronaldo a Ruben Amorim, passando, entre outros, por Alex Telles, Diogo Dalot, Nani, Lindelof e Bruno Fernandes, não têm faltado exemplos de recrutamento pago a peso de ouro.

A fazer fé nas palavras de Ruben Amorim, ainda assim o mercado de janeiro promete sossego para os lados de Alvalade. O que tinha de ser feito já se esgotou com a contratação do mister que tem arranhado com unhas de leão a cabeça de Pep Guardiola depois de ter tirado noites a fio o sono a Frederico Varandas.

Nessa altura, quando o líder do Sporting vestia à pressa João Pereira com o fato de treinador da equipa principal, Rui Costa, do outro lado da Segunda Circular, permitia-se sonhar. A série de triunfos registada por Bruno Lage, coincidente com os deslizes dos concorrentes diretos, fez o presidente do Benfica acreditar que chegaria ao dérbi na condição de primeiro classificado sem depender da ajuda de terceiros.

“Que possamos passar o Natal em primeiro lugar”, resumiu aos associados na assembleia geral do último sábado, incapaz de imaginar que 24 horas depois as águias iriam consentir um empate no derradeiro lance da partida disputada na Vila das Aves.

Por aquilo que (não) jogou, o Benfica até acabou por conquistar um ponto perante o onze de Daniel Ramos e mais uma vez se notaram as fragilidades indiciadas nos encontros com Estrela Vermelha, Mónaco, Vitória de Guimarães e Bolonha. A rotatividade decretada por Lage teve pouco impacto na produção global e confirmou a tendência para as tropas desiludirem sempre que o responsável máximo do clube confunde meras batalhas com guerras decisivas.

Ainda por cima, do alto da sua invejável experiência, Rui Costa não deveria precisar de conselhos para medir as palavras depois de ter mordido várias vezes a língua na sequência de arriscadas avaliações. Em maio, despejava toda a confiança em Roger Schmidt. “Não faço nem nunca farei deste treinador um bode expiatório porque não foi o único responsável”, anunciou com pompa e circunstância num balanço geral à segunda época do técnico alemão.

Schmidt resistiu somente quatro jornadas neste campeonato e o despedimento custou mais nove milhões de euros a uma SAD que tarda em tirar lucro do investimento feito em reforços de vincado peso na massa salarial. “Há que referir que fez mais golos na pré-temporada do que na temporada oficial mas não deixa de ter prestações altíssimas, individualmente e para a equipa. Tem sido um jogador de grande sacrifício, que tem demonstrado grande qualidade e os golos vão aparecer”, vaticinou o antigo Maestro sobre Vangelis Pavlidis numa entrevista dada há três meses à BTV. Até ao momento, o internacional grego apresenta 6 golos na época (menos... 20 que Viktor Gyokeres) e três assistências, parecendo uma sombra do artilheiro que em 2023-24 assinou 33 tentos ao serviço do AZ Alkmaar.

RIEN DE RENATO

Arthur Cabral, titular este domingo frente ao AVS, sofre também com a “maldição” presidencial. Com 4 golos e apenas uma assistência, o ex-Fiorentina continua a frustrar as expectativas (“É um jogador em quem depositamos grandes esperanças e a quem temos de dar mais tempo para se adaptar”) que foram difundidas pelo canal do clube em setembro de 2023, ou seja, um ano antes do depoimento que passou a pente fino todas as operações na mais recente janela de transferências.

Entre elas, como não podia deixar de ser, destacou-se a que envolveu o regresso de Renato Sanches a casa. “Hoje está lesionado, é um facto, mas tenho muita confiança de que vai recuperar e dar muito. Sei com que sentimento ele veste esta camisola e sei que nos vai dar muito este ano”, insistiu Rui Costa sobre o médio que reflete mais um empréstimo do PSG (depois de Draxler e de Bernat...) e que aguarda pela afirmação (“rien” de jogos a titular) na Liga Betclic.

Campeão da Europa por Portugal em 2016, Renato conseguiu sagrar-se campeão francês na capital e na espantosa equipa do Lille que fez história em 2020-21 sob a orientação de Christophe Galtier, não conseguindo libertar-se na Luz dos problemas físicos que só fazem subir o preço a pagar pelo discurso do presidente que desce à tribuna do diretor-desportivo.

Mesmo descontando as saudades que possa ter dos anos em que no consulado de Luís Filipe Vieira exercia essa função, Rui Costa não deve nem precisa de se explicar periodicamente aos sócios sobre cada jogador que entra ou sai. Tamanha responsabilidade pertence, numa primeira instância, ao diretor-desportivo, e só em casos de extrema singularidade, excecionais por motivos que envolvam questões que vão além do rendimento nas quatro linhas, é que a voz do topo da hierarquia se deve fazer ouvir.

Fintar este enquadramento significa colocar-se muito a jeito, sujeitar-se a um grande desgaste e ficar refém de promessas demasiado gratuitas e desnecessárias. Ao esvaziar o papel da última e única figura que teria legitimidade para explicar o inexplicável no caso de alguma coisa correr mal, o presidente esgota-se a ele próprio e desperdiça a oportunidade de ficar calado e marcar fora de campo os golos que pede no relvado a Pavlidis e a Cabral.

Talvez não por acaso, na penúltima conferência de Imprensa, Bruno Lage fez questão de frisar que não falou com Rui Costa sobre os avançados nem sobre o reforço da linha atacante. O setubalense prefere focar-se no trabalho árduo com as prendas que foram dadas a Roger Schmidt, rezando para que o novo diretor-desportivo do Manchester United passe por cima de Amorim e vá ali a Alvalade encher o Natal de Viktor Gyokeres.

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