Desporto

Sporting tem 23 dias de prazo

Opinião de João Rosado. João Pereira está hoje obrigado a inventar mas Frederico Varandas ainda não.
ESTELA SILVA

João Rosado

Pela primeira vez desde que assumiu o comando da equipa principal, João Pereira está obrigado a fazer um casting de última hora e a inventar o Sporting de recurso que esta terça-feira medirá forças com o Club Brugge.

Como se não bastassem as lesões de Pedro Gonçalves e Nuno Santos, também Hidemasa Morita e Daniel Bragança estão fora dos planos para a sexta jornada da fase regular da Liga dos Campeões.

Os leões, a par de outros seis participantes na prova, têm 10 pontos e beneficiam de lugar privilegiado para garantir uma presença entre os oito primeiros da tabela, com direito a entrada direta nos oitavos de final.

Do outro lado há a necessidade de ganhar para igualar o rival português e isso diz tudo sobre o grau de dificuldade associado ao confronto na Bélgica, disputado num contexto em que a estatística pende para os anfitriões.

Sem derrotas nos últimos 10 desafios, o segundo classificado da Jupiler Pro League recebe um adversário que também pode passar para segundo lugar na Liga portuguesa (se o Benfica vencer no acerto de calendário com o Nacional e continuar a ganhar até lá) e que atravessa a fase de maior melindre da temporada.

Os desaires com Arsenal, Santa Clara e Moreirense colocaram Alvalade a ferro e fogo e João Pereira está longe de ver Ruben Amorim como o único fantasma no balneário. O Sporting nunca venceu na Bélgica e se logo ficar a zeros tudo aponta para um regresso a Lisboa a fazer lembrar a famosa viagem de avião em que Sousa Cintra mudou a rota da orientação técnica depois do desastre de Salzburgo.

A presidência leonina há 30 anos tinha traços que não remetem para o estilo de atuação de Frederico Varandas e por isso, mesmo no pior dos cenários, não é crível que se assista no imediato a nova troca de treinador. Da mesma forma que o camisola 23 representa um problema para o técnico (Gonçalo Inácio, Zeno Debast ou Henrique Arreiol são candidatos ao lugar do subcapitão Bragança), os 23 dias que separam o 1-2 consentido em Moreira de Cónegos do dérbi eterno podem representar o prazo de validade do substituto de Amorim.

Exceção feita ao referido duelo no Jan Breydelstadion, entre o compromisso ante os comandados por César Peixoto e os que estão às ordens de Bruno Lage, o Sporting tem um ciclo de três encontros ao domicílio, somente intercalado por uma deslocação a Barcelos que desperta sempre um misto de sentimentos para Hugo Viana. Após a sexta jornada da Liga dos Campeões, o campeão nacional é anfitrião de Boavista, Santa Clara (oitavos de final da Taça de Portugal) e Benfica, fechando o ano civil em redenção total ou mergulhado num poço sem fundo.

Se não conseguir reabilitar-se no conforto do lar, logo a seguir o quadro competitivo sugere autênticas montanhas para escalar, com deslocações consecutivas a Guimarães, Leiria (para defrontar o... FC Porto na meia-final da Taça da Liga), Vila do Conde e Leipzig.

Na prática, face às recentes deceções, o Sporting-Benfica agendado para dia 29 deste mês marca a última fronteira para João Pereira. Qualquer outra decisão de Frederico Varandas antes do dérbi iria aproximá-lo em demasia do estilo tempestuoso de quem navega ao sabor do vento e de quem governa sob influência exterior, ao contrário daquilo que ainda ontem o presidente afiançou no aeroporto Humberto Delgado.

A VIDA É ABEL OU ARTUR

Numa altura em que os nomes de Artur Jorge a Abel Ferreira enchem as agendas mediáticas, seria bastante fácil para o líder leonino recriar do outro lado da Segunda Circular o que há quatro anos Luís Filipe Vieira concebeu quando não resistiu aos gloriosos feitos de Jorge Jesus ao leme do Flamengo.

Seduzido pelos títulos obtidos por JJ no Brasileirão e na Taça dos Libertadores, Vieira acreditou que o simples resgate de um homem carismático e de inquestionável experiência seria suficiente para devolver as águias ao ponto mais alto do Evereste.

Apesar do cinematográfico regresso a Portugal, Jesus estreou-se com uma eliminação aos pés do PAOK Salónica liderado por... Abel Ferreira (terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões de 2020-21) e não conseguiu fazer sequer duas épocas completas na Luz, despedindo-se dos encarnados a 23 de dezembro de 2021 na sequência de três golos sem resposta sofridos no Dragão (oitavos de final da Taça de Portugal).

Exatamente um ano antes, a 23 de dezembro de 2020, Jorge Jesus tinha perdido em Aveiro a Supertaça para o FC Porto e cinco meses depois, a 23 de maio, voltou a deixar escapar um troféu, “entregando” a Taça de Portugal ao Sporting de Braga que António Salvador tem moldado como berço de ouro para treinadores capazes de escrever páginas da história contemporânea.

Para não ir mais longe (aos tempos do próprio Jesus, Jesualdo, Leonardo Jardim, Paulo Fonseca ou Sérgio Conceição), também Ruben Amorim, Abel e Artur Jorge começaram por merecer uma oportunidade de ouro na Pedreira e só depois conquistaram fama e reputação mundiais. E todos eles, como inevitavelmente acontecerá com João Pereira, perderam e ganharam, deslumbraram e sofreram amargos dissabores.

Abel, a 23 de janeiro de 2019 foi afastado da final da Taça da Liga pelo Sporting de Marcel Keiser (3-4 no desempate por penáltis) enquanto Artur Jorge, a 23 de janeiro deste ano, conseguiu vencer por 1-0 (meia-final da Taça da Liga) um Ruben Amorim que lhe aplicou chapa 5 em cada visita a Alvalade entre as temporadas 2022-23 e 2023-24.

Não há treinadores infalíveis nem milagreiros. Vítor Bruno é o único até agora que já pôs as mãos num troféu (ergueu a Supertaça em Aveiro) e apesar de estar a dois pontos do topo do campeonato continua no regresso a casa a ser recebido com pedidos de demissão.

Na próxima quinta-feira, qualquer resultado que não traduza uma lição ao Midtjylland situará André Villas-Boas no camarote de Frederico Varandas. O 23.º jogo na época do FC Porto significa tanto como os 23 dias de prazo que têm de ser dados a João Pereira. O presidente que fugir a isso vai ser obrigado a copiar Luís Filipe Vieira e a inventar uma solução que pode ser um erro de casting.

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