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Coreia do Norte está a construir muro na fronteira com a Coreia do Sul

Especialistas consultados pela BBC explicam o que significam estas movimentações na DMZ, avançando que "não devemos ficar surpreendidos se as provocações inter-coreanas aumentarem este ano.”

Ahn Young-joon

SIC Notícias

A Coreia do Norte está a construir secções do que parece ser um muro em vários locais na fronteira com a Coreia do Sul, revelam novas imagens de satélite confirmadas pela BBC.

Imagens analisadas pela BBC Verify também mostram que os terrenos dentro da Zona Desmilitarizada (DMZ) foram limpos, o que os especialistas dizem que pode ser uma violação da trégua de longa data com a Coreia do Sul.

A DMZ é uma zona tampão de 4 km de largura entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, que ainda estão tecnicamente em guerra e nunca assinaram um tratado de paz. A DMZ está dividida em duas, com cada lado controlado pelos respectivos países.

Esta actividade recente é “invulgar”, segundo os especialistas, e surge num momento de crescentes tensões entre os dois países.

“Neste momento, só podemos especular que a Coreia do Norte está a tentar reforçar a sua presença militar e as suas fortificações ao longo da fronteira”, diz Shreyas Reddy, correspondente do site especializado NK News, com sede em Seul.

A BBC Verify encomendou imagens de satélite de alta resolução de um troço de 7 km da fronteira no âmbito de um projeto para observar as mudanças que a Coreia do Norte está a fazer na zona.

Estas imagens parecem mostrar pelo menos três secções onde foram erguidas barreiras perto da DMZ, cobrindo um total de cerca de 1 km perto do extremo leste da fronteira. É possível que tenha havido mais construções de barreiras ao longo de outros troços da fronteira, escreve a BBC.

A data exata do início da construção não é clara devido à falta de imagens anteriores de alta resolução. No entanto, estas estruturas não eram visíveis numa imagem captada em novembro de 2023.

“A minha avaliação pessoal é que esta é a primeira vez que eles constroem uma barreira de separação", disse à BBC Uk Yang, especialista militar e de defesa do Instituto Asan de Estudos Políticos de Seul.
“Na década de 1990, a Coreia do Norte construiu muros antitanque para impedir o avanço dos tanques no caso de rebentar uma guerra. Mas agora, a Coreia do Norte tem erguido muros com 2 a 3 metros de altura que não se parecem com os muros antitanque”. “A forma das paredes sugere que não são apenas obstáculos [para tanques], mas que se destinam a dividir uma área”, segundo Yang, que analisou as imagens de satélite.

Há também provas de limpeza do terreno no lado norte-coreano da DMZ.

As mais recentes imagens de satélite da extremidade leste da fronteira mostram o que parece ser uma recém-criada estrada de acesso.

Ao traçar o limite norte preciso da DMZ no mapa acima, a BBC explica que adotou a sua anterior investigação sobre mapas de fronteiras "porque existem pequenas variações nos mapas disponíveis da fronteira. No entanto, todas as versões que localizamos mostram que houve limpeza de terreno dentro da DMZ".

Um funcionário do Estado-Maior Conjunto da Coreia do Sul (JCS) disse num briefing recente que os militares identificaram atividades em curso relacionadas com o “reforço de estradas táticas, a colocação de minas e a limpeza de terrenos baldios”.

Há relatos anteriores de terrenos que foram limpos em vários outros locais dentro da DMZ controlado pela Coreia do Norte.

“A limpeza dos terrenos pode estar ligada a aspectos militares ou não militares, porque permite que sejam facilmente estabelecidos postos de observação para que a Coreia do Norte monitorize as atividades militares na Coreia do Sul” e detecte “desertores que tentam cruzar a fronteira com a Coreia do Sul”, explicou à BBC o professor Kil Joo Ban, do Instituto de Relações Internacionais Ilmin, Universidade da Coreia.
“É invulgar construir estruturas na DMZ e pode ser uma violação do armistício sem consulta prévia”, segundo o Prof Victor Cha, vice-presidente sénior para Ásia e Coreia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.

Coreias em guerra e o (fim) desejo de reunificação

A Guerra da Coreia terminou em 1953 com um armistício, em que ambos os lados se comprometeram a não "executar qualquer acto hostil dentro, a partir de, ou contra a zona desmilitarizada". Mas não houve um acordo de paz final.

A reunificação foi sempre o objetivo declarado dos líderes norte-coreanos até ao início de 2024, quando Kim Jong Un anunciou que o seu país deixava de ter essa ambição.

Alguns especialistas consideraram estas declarações “sem precedentes” e uma mudança política significativa quando Kim rotulou a Coreia do Sul como um “principal inimigo” no início deste ano.

Desde então, o Norte também começou a remover símbolos que representam a unidade dos dois países – como demolir monumentos e apagar referências à reunificação em sites governamentais.

“A Coreia do Norte não precisa de mais barreiras para evitar um ataque do Sul, mas ao erguer estas barreiras fronteiriças, o Norte está a sinalizar que não procura a reunificação”, afirma Ramon Pacheco Pardo, chefe de Estudos Europeus e Internacionais da Kings College Londres.

Alguns especialistas também dizem que esta medida se alinha com os objetivos mais amplos de Kim.

“A Coreia do Norte nem sequer finge querer negociar com os Estados Unidos ou a Coreia do Sul e rejeitou as recentes tentativas do Japão de iniciar conversações”, afirma o Dr. Edward Howell, investigador da Península Coreana em Oxford.
“Com o aquecimento das relações da Coreia do Norte com a Rússia, não devemos ficar surpreendidos se as provocações inter-coreanas aumentarem este ano.”
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