Mundo

Degelo dos glaciares tibetanos pode ter impacto inédito dentro de mil anos

Uma equipa internacional de cientistas analisou o fluxo de água no planalto tibetano durante o último milénio. Depois de correlacionar os níveis da água com eventos históricos, os cientistas preveem que as alterações climáticas representam "riscos sem precedentes" para o Sudeste Asiático.

Planalto tibetano
NurPhoto/Getty

SIC Notícias

O degelo dos glaciares no planalto tibetano resultante das alterações climáticas pode vir a surtir um impacto inédito dentro de mil anos na região densamente povoada do Sudeste Asiático,

Ao reconstruir o registo histórico dos rios com origem no Tibete, especialistas descobriram uma forte correlação entre os caudais de água e a vegetação da estação seca em toda a Península da Indochina.

Isto revela a “importância da fonte de água tibetana para o funcionamento e a produtividade dos sistemas ecológicos e sociais do Sudeste Asiático”.

A vasta região inclui Vietname, Tailândia, Indonésia, Laos ou Malásia.

A equipa composta por investigadores oriundos da Argentina, Reino Unido, Chile, China, República Checa, Alemanha, Suíça e Estados Unidos, afirmou que as nações precisam de reforçar a cooperação entre si para melhorar as estratégias de preservação dos recursos hídricos.

"Os extremos de fluxo de água coincidem com mudanças distintas nas populações locais que ocorreram durante a época medieval. As nossas projeções sugerem que as futuras alterações nos caudais atingirão, ou mesmo excederão, os intervalos históricos até ao final deste século, colocando riscos sem precedentes para o Sudeste Asiático", escreve a equipa num artigo publicado na revista científica Nature Geoscience.

Planalto tibetano, a "torre de água asiática"

O planalto tibetano é conhecido como a "torre de água asiática" porque os rios alimentados por glaciares que fluem da região são a principal fonte de água para grande parte do Sul e Sudeste Asiático. Esse abastecimento é vital para gerar alimentos - desde o cultivo de arroz à apanha de peixe.

No estudo, a equipa reconstruiu o caudal dos rios Mekong, Salween e Yarlung Tsangpo desde o ano 1000 até 2018. Isto foi feito através da recolha e identificação de amostras de árvores com centenas de anos de idade no sul do planalto tibetano.

O Mekong é o rio mais longo do Sudeste Asiático, atravessando a China, Myanmar (antiga Birmânia), Tailândia, Laos, Camboja e Vietname. O Salween corre da China para o Myanmar e Tailândia, enquanto o Yarlung Tsangpo (a corrente superior do rio Brahmaputra) atravessa a China, a Índia e o Bangladesh.

Alterações dos caudais ao longo da História

Segundo a equipa, entre as décadas de 1050 e 1190, um forte aumento dos caudais foi acompanhado por um rápido crescimento socioeconómico e cultural na região.

Isto incluiu a ascensão da dinastia Bagan, a primeira dinastia da história do Myanmar.

Também coincidiu com a ascensão do império Khmer, no atual Camboja, e com a construção do complexo de templos de Angkor Wat, entre as décadas de 1110 e 1150.

Mas a diminuição do fluxo de água entre o início do século XIII e o final do século XV coincidiu com a "intervenção de forças externas" e "vários desafios importantes para os sistemas socioeconómicos, políticos e culturais do Sudeste Asiático", segundo o estudo.

Entre 1280 e 1340, o fraco abastecimento de água coincidiu com uma grande crise na dinastia Bagan.

"Esta crise caracterizou-se por deslocações económicas, tumultos políticos e a divisão do Myanmar", afirmaram os autores.

O período mais prolongado de baixo caudal dos últimos mil anos, entre 1360 e 1500, coincidiu também com o colapso do império Khmer.

"Embora as nações prósperas possam ser mais resistentes e potencialmente mais adaptáveis aos fenómenos climáticos extremos, a influência de fatores ambientais adversos a longo prazo pode afetar esta resistência e os extremos hidrológicos podem desencadear mudanças sociais graduais", afirmaram os autores.

"O degelo dos glaciares é uma fonte crucial de água para os rios do planalto tibetano. À medida que o aquecimento global se intensifica, a produção de água pode aumentar, atingindo mesmo o nível elevado da era medieval", afirmou.

Embora o estudo afirme que tal poderia conduzir a mais catástrofes naturais relacionadas com as inundações provocadas pelo degelo, advertiu também que o aumento "provavelmente não compensará o rápido (...) crescimento [da população] no Sudeste Asiático, o que significa que os problemas de escassez de água continuarão provavelmente a intensificar-se".

Com Lusa

Últimas