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Falta de água potável na Faixa de Gaza: um problema antigo que se tornou "uma questão de vida ou morte”

O cerco de Israel e as restrições de energia impostas pelo bloqueio estão a agravar um problema que não é novo: a falta e a má qualidade da água a que os palestinianos têm acesso.

IBRAHEEM ABU MUSTAFA

Catarina Solano de Almeida

O problema da água potável na Faixa de Gaza vem de longe, com o exíguo território palestiniano a depender de fontes sobre as quais têm pouco ou nenhum controlo. Com a guerra declarada por Israel ao Hamas, o problema agudizou-se e tornou-se numa batalha pela sobrevivência dos palestinianos, segundo a ONU.

O movimento islâmico palestiniano Hamas lançou um ataque sem precedentes contra Israel na madrugada de sábado, 7 de outubro. Foram lançados milhares de rockets contra território israelita, militantes islâmicos furaram barreiras e entraram em comunidades perto da Faixa de Gaza, matando residentes e fazendo reféns.

Mais de 1.300 pessoas morreram de ambos os lados. Israel declarou o estado de guerra e ordenou o corte imediato do abastecimento de água à Faixa de Gaza.

A agência da ONU para refugiados palestinianos refere que um quarto de milhão de pessoas foram transferidas para abrigos, a maioria dos quais são escolas da ONU onde “a água potável acabou”. Além da água, os alimentos estão a acabar, falta combustível e a eletricidade está a falhar. A falta de energia paralisa as estações de dessalinização, a últimas esperança para a obtenção de água potável.

A última estação de dessalinização em funcionamento fechou a 15 de outubro devido à falta de combustível, assim como deixou de funcionar a última estação de tratamento de águas residuais, informou a ONU.

Desesperadas por obter água potável, algumas pessoas em Gaza começaram a cavar poços em áreas adjacentes ao mar. Outras dependem da água que vem do único aquífero de Gaza, que é salgada e está contaminada com esgotos.

O que é a Faixa de Gaza?

A Faixa de Gaza é um enclave palestiniano num território de 41 km de comprimento e de largura entre 6 e 12 km entre Israel, o Egito e o Mar Mediterrâneo. Tem 2,3 milhões de habitantes e uma das maiores densidades populacionais do mundo.

Israel controla o espaço aéreo sobre Gaza e a sua costa e restringe quem e que mercadorias podem entrar e sair através das suas passagens fronteiriças. Da mesma forma, o Egito controla quem entra e sai através da sua fronteira com Gaza.

Com mais de 5.000 anos de história, sucessivamente dominado por assírios, babilónios, romanos, árabes e cristão, é um território constantemente disputado.

Em 1948, a Faixa de Gaza passa para administração do Egito, pouco depois da proclamação do Estado de Israel. Na sequência da guerra israelo-palestiniana de 1967, o território é ocupado por Israel.

A 12 de setembro de 2005 Israel retira-se da Faixa de Gaza, que passa a ser gerida pelo movimento radical islâmico Hamas .

Cerca de 80% da população de Gaza depende de ajuda internacional. De acordo com a ONU, 1 milhão de pessoas precisa de ajuda alimentar diariamente.

Única fonte de água natural para a Faixa de Gaza está poluída

Mas mesmo antes desta mais recente crise e violência, o abastecimento de água a Gaza já não conseguia satisfazer o requisito mínimo da Organização Mundial de Saúde para o consumo diário de água per capita - dos 100 litros por dia, a população de Gaza consome 83,1 litros.

A única fonte natural de água da Faixa de Gaza é a Bacia do Aquífero Costeiro, que corre ao longo da costa oriental do Mediterrâneo, desde o norte da Península do Sinai, no Egito, passando por Gaza e entrando em Israel.

Um estudo de 2020 publicado na revista “Water” concluiu que a qualidade da água subterrânea no aquífero “deteriorou-se rapidamente”, em grande parte porque tem sido retirada para satisfazer as necessidades da grande população de Gaza mais rapidamente do que consegue ser substituída pela água da chuva.

O aquífero também está poluído por águas residuais não tratadas, deixando 96,2% da água que segue para as torneiras domésticas imprópria para beber, segundo os dados da Autoridade Palestiniana para a Água. Daqui resulta que 97% dos habitantes da Faixa de Gaza dependem de camiões-cisterna privados não regulamentados e de centrais de dessalinização de água potável de pequena escala, muitas vezes alimentadas a energia solar porque também há falta de combustível, segundo dados do Banco Mundial.

Estações de dessalinização paradas

As três grandes centrais de dessalinização em Gaza estão paradas devido a restrições de energia impostas pelo bloqueio de Israel.

Restam algumas pequenas estações mais pequenas e cuja qualidade deixa a desejar. De acordo com um estudo de 2021, 79% das estações de dessalinização em Gaza não são licenciadas e uma média de 12% das amostras de água dessalinizada testadas ainda apresentavam níveis perigosos de contaminação.

A ONU avisa que Gaza precisa urgentemente e combustível para reiniciar as operações nas estações de tratamento de águas.

“Precisamos de transportar combustível para Gaza imediatamente. O combustível é a única maneira de as pessoas terem água potável. Caso contrário, as pessoas começarão a morrer de desidratação grave. A água é agora a última tábua de salvação que resta”, alerta a ONU.

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