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Antevisões em saúde para 2023 (parte I): marcos internacionais

Opinião de Tiago Correia, comentador SIC, Professor de Saúde Internacional.

Ng Han Guan/ AP

Tiago Correia

Olhando para o desenrolar do ano passado, estes são alguns acontecimentos que poderão marcar o debate internacional em matéria de saúde em 2023:

Covid-19 na China: a gestão da pandemia na China divergiu do resto do mundo à medida que a vacinação avançou. A política de “0 casos” com a manutenção de confinamentos não teve lógica aparente, dada a disponibilidade de 2 vacinas aprovadas pela OMS e largamente usadas na América Latina, Brasil, África e Ásia. Além disso, quase a totalidade da população está inoculada com 2 doses, segundo dizem as autoridades chinesas.

A súbita mudança de política também não teve lógica aparente. O ocidente mostrou que o alívio das restrições deve ser gradual e ocorrer na transição para a primavera.

Os riscos do súbito alívio não se cingem à população, aos profissionais e ao sistema de saúde chinês. As muitas dúvidas e informações contraditórias sobre o estado de imunidade de 1.4 mil milhões de pessoas é um problema de saúde pública internacional.

Um pouco por todo o mundo, os países vão seguindo estratégias individuais, descoordenadas, ineficazes e contraditórias, num claro desacerto político sobre a gestão das fronteiras. Estes foram erros do passado que mostram o quanto afinal não se aprendeu com a pandemia, apesar das promessas.

Novas emergências de saúde pública: depois da Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a varíola dos macacos como emergência de saúde pública de preocupação internacional (sigla em inglês PHEIC - Public Health Emergency of International Concern). As PHEICs designam agentes patogénicos – vírus, bactérias ou parasitas – cujo contágio é extraordinário, no sentido de ser inesperado ou desconhecido; a sua disseminação internacional representar riscos de saúde pública noutros países; e requer intervenções coordenadas a nível internacional.

Estes acontecimentos recordam-nos a importância da cooperação entre países. Isto inclui a transparência nos dados epidemiológicos, a produção e distribuição de medicamentos e vacinas aos países mais pobres e assegurar coordenação política.

Covid-19 como sindemia: os efeitos da covid-19 prolongaram-se apesar da imunidade adquirida. Isso manifestou-se no agravamento de outras infeções endémicas (sarampo, hepatites agudas, gripe, vírus sincicial respiratório e escarlatina), também no agravamento da saúde mental e nos atrasos no rastreio e tratamento de doenças crónicas, incluindo oncológicas. Provou-se ainda que a Covid-19 afetou mais as pessoas e os países em situação de vulnerabilidade socioeconómica. A recuperação destes efeitos sindémicos ainda levará tempo.

Negacionismo: embora tenha sido penalizado politicamente (a derrota de Bolsonaro seguiu-se à de Trump e, em sentido diferente, ao afastamento de Boris Johnson), o fenómeno tornou-se estrutural e o combate à desinformação deve manter-se na agenda.

As dúvidas crescentes sobre a explosão de casos de Covid-19 na China fazem esperar o ressurgimento de formas de contestação à ciência.

Alterações climáticas e Uma Só Saúde: interligação entre a saúde humana, animal e ambiental estará mais visível do que nunca. A Conferência do Clima das Nações Unidas (Cop 27) trouxe avanços políticos, mas o balanço é que são demasiado tímidos. As situações extremas de fome, doenças e mortes causadas pelas chuvas das monções em países como o Bangladesh, Índia ou Paquistão ilustram o que está em causa.

A urgência de reduzir em 45% as emissões de efeito de estufa até 2030 colide com a previsão de que irão aumentar em 11%. As fichas colocam-se agora no Plano Sharm el-Sheikh (estabelece um mecanismo financeiro destinado a perdas e danos associados às alterações climáticas) e na agenda Bridgetown (que visa a reforma dos mecanismos de financiamento internacional, sobretudo aos países pobres).

Impactos da guerra na saúde e bem-estar: a invasão da Ucrânia num contexto pandémico trouxe à tona argumentos bem conhecidos sobre o agravamento da saúde e bem-estar em contextos de conflito armado. Os efeitos perdurarão por muito tempo.

A destruição alcançou infraestruturas e profissionais de saúde: desde o início da guerra, milhares de hospitais e centros clínicos foram danificados e dezenas de profissionais civis foram mortos ou feridos.

Os riscos de saúde pública aumentaram devido à degradação das condições de vida, à interrupção do regular funcionamento da economia e dos serviços públicos e à suspensão do rastreio e tratamento de doenças crónicas e agudas. No caso ucraniano, há registo do agravamento significativo das doenças mentais, feridas e traumas de guerra, exposição radio-nuclear, Covid-19, tuberculose, cólera, HIV, tumores, etc.

Os impactos estendem-se aos países circundantes ao conflito, quer por problemas de abastecimento de bens e serviços quer pelo acolhimento de intensos fluxos de refugiados.

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