“As pessoas são fruto do seu tempo e havia uma proximidade que hoje não é considerada saudável. Nos primeiros anos da minha carreira, cheguei a ver árbitros que tinham uma lista com todos os jogos que iam fazer até final da época. Não sabia se isso era normal. Felizmente, tive a sorte de conviver com outros árbitros que me explicavam que isso é tudo menos normal.”
Faustino lembra que a influência os clubes tinham na escolha de árbitros para os seus jogos e acredita que hoje essa promiscuidade não seja tão forte. “Muitos maus exemplos que foram conhecidos nessa altura, serviram para que hoje as coisas sejam diferentes.”
“Aos 20 anos, o árbitro é um puto que tem cartões no bolso e nem sempre sabe utilizá-los”
Ainda tentou ser guarda-redes, mas confessa que o jeito não era muito. Foi num jogo em que estava no banco de suplentes que Jorge Faustino acabou por ter a sua primeira experiência na arbitragem. O árbitro assistente lesionou-se e ele teve de entrar para novas funções.
A partir daí, de forma natural, começava uma carreira de quase 20 anos em que nunca chegou ao primeiro escalão, mas onde colecionou várias histórias.
“Logo num dos meus primeiros jogos entre seniores, houve uma falta, um adepto que era irmão do jogador que sofreu a entrada, foi para o campo e agrediu o outro jogador. Eu estava como assistente. O árbitro principal disse para sairmos enquanto os jogadores e os adeptos ficaram à pancada. Foi logo a vacina”.
Jorge Faustino salienta que, nos primeiros anos de carreira, muitos árbitros não têm a maturidade suficiente para lidar com a autoridade que lhes é dada: “Aos 20 anos, temos cartões no bolso e queremos é mostrá-los. Eu tinha um documento de excel com a média de cartões que mostrava por época e ficava contente por esta ser alta. Só depois é que comecei a perceber que bom era a média ser baixa.”
Como em qualquer profissão, Faustino lembra que os árbitros também têm de crescer, mas considera a arbitragem “uma excelente escola”.
“Na Kings League, os presidentes podem marcar um penálti”
Depois de pendurar o apito, ao fim de 20 anos de carreira, confessa que não estava nos seus planos ser comentador de arbitragem, “mas aconteceu de forma natural”.
Atualmente, as suas análises podem ser vistas na Sporttv e lidas no Record, depois de ter passado pela TVI, Público e Observador. Jorge Faustino diz que não estranha os insultos e os comentários mais apaixonados ao seu trabalho porque os anos de arbitragem deram-lhe essa carapaça.
“Os árbitros aprendem a camuflar as suas emoções e a reagir com calma aos insultos e elogios.”
Depois do futebol de onze ainda teve uma experiência com o futebol de praia e agora prepara-se para abraçar um novo desafio: “Irei apitar o mundial da Kings League, do Gerard Piqué e do youtuber Ibai Laños, que se realiza no México a partir de dia 26 deste mês.”
A Kings League é uma competição privada de futebol sete com regras muito particulares, como explica Faustino: “São jogos de 40 minutos, com 20 minutos cada parte. Antes do jogo, cada treinador tira uma carta. Essa carta pode dar direito a um penálti, podes expulsar um jogador da equipa adversária por quatro minutos ou podes trocar a tua carta pela do adversário.”
Faustino lembra ainda que durante os jogos começam de um para um e que os jogadores vão entrando, a cada minuto, até chegar aos sete. “Durante a primeira parte, aos 18 minutos, o jogo pára e é lançado um dado gigante pelo público. O número que sair é o número de jogadores que fica até ao intervalo.”
A Kings League tem uma forte componente mediática com os jogos transmitidos em streaming: “Cada equipa tem um presidente que é sempre alguém muito conhecido, seja um youtuber ou um jogador de futebol. O Aguero e o Casillas são dois dos presidentes.
No Mundial, o Totti, o Shevechenko e o Neymar também serão presidentes das equipas. Em todos os jogos, o presidente tem direito a sair da bancada e poder marcar um penálti. No fundo, esse é também o sonho de muitos presidentes do futebol onze.”