Jornada Mundial da Juventude

No último dia da JMJ, o Parque Tejo-Trancão foi casa e cama dos peregrinos

Estenderam os colchões, enrolaram-se nos sacos de cama e deixaram-se embalar pelo Tejo. A noite fez-se dia, eis o sexto dia da Jornada Mundial da Juventude. 1,5 milhões de peregrinos viram que isso era bom e levantaram-se para assistir à última cerimónia com o Papa Francisco.

Filipa Traqueia

Filipa Traqueia

A relva foi substituída por um misto de todas as cores. Os sacos de cama dos mais de 1,5 milhões de jovens pintam agora os 100 hectares do Parque Tejo-Trancão. A tradição da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) dita que os jovens durmam no recinto entre a vigília e a missa do envio e Portugal não foi exceção.

Dormir, dorme-se pouco. A alegria que caracterizou as celebrações da JMJ, ao longo da semana, também se estendeu à zona leste de Lisboa e ao concelho de Loures. Depois da vigília, a música, as conversas e os jogos de cartas ainda se prolongaram durante algum tempo.

O céu está escuro e a maioria dos peregrinos dorme - e até ressona. São 05:30 e há quem já vá acordando. Caterina Ballabio, de 19 anos, acordou de propósito “para ver o nascer do sol”. Veio de Itália e considera que a primeira experiência na JMJ foi “muito boa”. Até já está a pensar em inscrever-se na próxima, independentemente do país em que seja.

Juan Sebastian Villavicencio, de 29, integra um grupo de 126 peregrinos que vem do Equador. Sentiu algum “incómodo” durante a noite, por causa das pedras do chão, mas garante que o frio não foi problema: “Vimos do Equador, estamos habituados ao frio”, conta.

Por outro lado, Devonte Anderson, de 20 anos, vem de um sítio de calor - a Jamaica. Garante que a noite foi “muito boa”. Javiera Silva, de 23 anos, confessa que “custou dormir”, mas garante que foi uma experiência agradável.

“Não foi fácil encontrar espaço”, conta a jovem do Chile, mostrando um saco com dois litros de água já quase vazio.

Nem toda a gente conseguiu encontrar um lugar perto do grupo. Elsa Batista e Dinis Oliveira, mãe e filho, são voluntários paroquiais e não conseguiram ficar no setor onde estava os peregrinos vindos de Tomar. Acabaram por encontrar um cantinho para passar a noite, perto das fitas que limitavam o setor.

“A noite foi tranquila, animada e agitada. Foi uma experiência interessante porque não estivemos sempre a dormir”, conta Elsa.

Antes de fecharem os olhos - mesmo que por pouco tempo - mãe e filho deram uma volta pelo recinto, falaram com pessoas de vários países e, como não tinham “nada para oferecer”, trocaram “nomes de Instagram com pessoas do outro lado do mundo”.

O sol começa a nascer e o céu escuro ganha tons de vermelho sobre o Tejo. A paisagem atrai os peregrinos que, de telemóvel no ar, vão até à margem do rio para captar o momento através das grades - talvez para partilhar nas redes sociais com hashtag #JMJ2023. Alguns saltaram as proteções para estar mais perto - e em sossego - a ver a apreciar a beleza natural.

Despertar, lavar os dentes e ir para a enorme fila da casa de banho

Às 06:30 em ponto é o acordar. Ao som da música “Receive the Power”, de Guy Sebastian e Paulini, os peregrinos vão começando a acordar. Abrem os olhos, espreguiçam-se, começam a sentar-se e alguns começam a tratar a higiene pessoal. Alguns passam toalhitas pela cara e pelo corpo, outros vão lavando os dentes com garrafa de água.

A fila para as casas de banho começa a aumentar. Nos lavatórios, espalhados pelo recinto, os jovens vão lavando a cara e os dentes. A água escorre pelo chão, deixando poças de lama em redor.

Lucía María Garcia, espanhola com 20 anos, queixa-se das poucas casas de banho que existem no Parque Tejo-Trancão. “Há poucas casas de banho para tantas pessoas, olhe o tamanho da fila”, afirma, apontando para o aglomerado de pessoas que se vai juntando à frente das casas de banho portáteis. Alerta ainda para a quantidade de lixo que existe no chão

“Acho que está mal organizado. Eu preveni-me e trouxe toalhitas”, acrescenta.

Também Letícia Valente relata algumas dificuldades durante a noite: “Quando estava a dormir, havia pessoas a saltar as grades para ir à casa de banho e punham o pé quase ao pé da minha cabeça”, conta a jovem brasileira.

Karenia Guevara Quesad e Geisy Moreo Fonseca, de 31 e 20 anos respetivamente, também apontam alguns problemas de organização. As jovens goesas sublinham que havia “espaço insuficiente para a quantidade de pessoas” e que tiveram dificuldade “em encontrar um lugar”. Mas isso não estragou a noite.

“Foi emocionante ver chegar os símbolos da JMJ e ouvir o Papa”, garantem as jovens.

É hora de enrolar os sacos de cama e os colchões, arrumar as malas e preparar-se para o início da celebração. Nas colunas, ouve-se a atuação do padre Guilherme Peixoto, o DJ que pôs os jovens a dançar num set que juntava o hino da JMJ com Xutos & Pontapés e Avicii. Enquanto uns dançam, outros tentam dormir só mais um bocadinho.

A organização faz um apelo aos peregrinos para que desmontem as tendas e arrumem as suas mochilas. O objetivo é criar mais espaço e acolher mais peregrinos. Além do parque, também na ponte do IC2 e nas varandas dos prédios há pessoas a tentar ouvir a missa do envio.

Mas nem todos querem ficar para a celebração de encerramento da JMJ. Eleonore Silvestre, 20 anos, e Morgane Sauron, de 19, já têm a mala às costas e estão prontas para regressar a França: “Não queremos ir embora quando sair toda a gente”, explicam.


Papa percorre Parque Tejo-Trancão: “Sinto-me abençoada”

A chegada do Papa Francisco provoca alvoroço entre os jovens, que começam a dirigir-se à passagem principal. O Sumo Pontífice fez questão de atravessar o parque para estar com os jovens peregrinos. A polícia bloqueou a passagem da via principal para a passagem do papamóvel.

Enquanto o Papa não passa, vão-se trocando experiências: “De onde são?”, pergunta uma religiosa a um grupo espanhol. “De Madrid”, respondem. A polícia não deixa ninguém passar e a espera, sob um calor já intenso para a hora, faz com que alguns peregrinos se sintam mal.

A irmã Jessie Fontallio vem das Caraíbas para participar na JMJ. Espera, com uma bandeira, a passagem do Papa Francisco. Enquanto a comitiva vai dar a volta o parque, a freira dominicana vai comentando como foi a noite.

“Foi uma noite boa. É como se a noite fosse uma gravidez e hoje fosse o parto. As pedras que tive de tirar foram as dores da gravidez, mas hoje vamos dar à luz. Depois da noite dolorosa, a chegada do dia traz a alegria do nascimento e da ressurreição. Isso faz-nos esquecer os males.”

Para a religiosa, este evento trouxe-lhe esperança na igreja. Conta que, quando vai à missa, não costuma ver jovens, mas que aqui percebeu que os mais novos estão em comunhão com a “verdadeira e única igreja católica apostólica”.

À medida que a hora passa, são cada vez menos os jovens que se mantém deitados. Vestem-se, penteiam-se, partilham o pequeno almoço e preparam-se para o último momento da JMJ: a missa do envio.

O Papa Francisco chega ao altar-palco, mas a maior parte dos jovens não irá conseguir assistir ao momento ao vivo. Juntam-se, por isso, à frente de um dos dezenas de ecrãs que transmitem a cerimónia. Benzem-se. Começa o fim da JMJ em Lisboa.

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