Desde 1990 que a medicina geral e familiar é uma especialidade. Isto significa que para se ser especialista em medicina geral e familiar, depois dos seis anos de medicina e um ano de acesso ao internato, o médico tem quatro anos de formação especializada. Tantos anos como um oftalmologista, por exemplo.
Nestes quatro anos os objetivos de formação estão bem definidos e passam por várias áreas.
Pela obstetrícia onde se aprende a vigiar grávidas saudáveis e reconhecer sinais de alarme, pela pediatria para poder seguir crianças desde que nascem, pela psiquiatria onde se ganham competências para tratar e medicar doenças como a ansiedade ou depressão, e até pelos serviços de urgência de medicina interna, cirurgia geral e ortopedia.
Neste quatro anos aprendemos a falar sobre contraceção e por dispositivos intra uterinos, a vigiar uma gravidez saudável, a acompanhar crianças e reconhecer as principais doenças da infância, a suturar ou cozer feridas, e até a medicar uma ansiedade ou depressão. E todos os anos temos exames que garantem que os objetivos de formação foram cumpridos, para assegurar que os nossos futuros utentes serão bem acompanhados.
Tudo isto faz com que um médico com esta especialidade seja muito completo e bem diferente do que seria se não tivesse especialidade.
No centro de saúde, onde dou consultas, já me perguntaram qual é a minha especialidade, e como é que sei fazer uma citologia, ou começar insulina num novo diagnóstico de diabetes. E é precisamente porque tenho formação específica para isso.
A verdade é que é impossível saber muito de tudo, mas temos formação, e experiência, para cuidar da população em todas as fases da vida. Também sabemos reconhecer quando há sinais de alarme que devem ser avaliados, e em que altura devemos referenciar para um especialista de outra área ou para os cuidados hospitalares.
Não podemos só falar de médicos de família sem reconhecer que ainda há muito estigma à volta desta especialidade. E eu sempre tive alguma dificuldade em compreender como é que a única especialidade que acompanha uma vida do início ao fim, e que olha para o doente como um todo, englobando as queixas no contexto social, contexto económico, e contexto psicológico, pode ser tão desvalorizada.
Nenhum de nós é só uma diabetes, ou uma hipertensão, ou uma gravidez. Interessa saber se estamos desempregados, se estamos a passar por um divórcio, ou se de repente perdemos autonomia para ir passear o cão, que era o que nos dava mais ânimo na vida.
O verdadeiro problema das urgências não se resolve só a reforçar equipas, e investir mais e mais dinheiro em tratamentos e exames. Resolve-se reforçando os cuidados de saúde primários, que podem realmente apostar na prevenção, no diagnóstico precoce, nos rastreios, e numa medicina holística que olha para a pessoa e o seu ambiente.
Se continuarmos a ter cada vez mais doenças, os médicos de família nunca vão ser suficientes, e as promessas políticas continuarão a ser altamente irrealistas.
Só com a valorização da prevenção e de uma equipa que inclui enfermeiros, assistentes técnicos e sociais, psicólogos, nutricionistas, e até profissionais do exercício, podemos fazer muita diferença no futuro do SNS.
Por isso, já sabe, valorize a sua equipa de família e saiba que ser médico de família implica uma formação longa e organizada.