Acidente no Elevador da Glória

Do casal de artistas à professora que vivia "ao máximo": as vítimas da tragédia no Elevador da Glória

O descarrilamento do Elevador da Glória no passado dia 3 de setembro provocou 16 mortos, cinco dos quais portugueses. Mas quem são estas pessoas? Conheça as histórias das vítimas de "uma das maiores tragédias humanas" do país.

Armando Franca

Marta Ferreira

Luís Montenegro classificou esta como "uma das maiores tragédias humanas" da história em Portugal, frisando que os afetados "não estão sozinhos". Marcelo disse que Moedas tem "responsabilidade política" e o autarca de Lisboa garante que as famílias das vítimas terão "respostas", mas rejeita demissão. No meio de toda a 'embrulhada' política, quem são afinal estas vítimas? Que vidas se escondem atrás do número 16?

Na passada sexta-feira, dia 5 de setembro, a Polícia Judiciária (PJ) avançava que as nacionalidades das 16 vítimas mortais já haviam sido confirmadas "depois de identificadas cientificamente, com a colaboração do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses".

Em comunicado enviado às redações, revelavam-se as nacionalidades: cinco portugueses, dois sul-coreanos, um suíço, três britânicos, dois canadianos, um ucraniano, um americano e um francês.

Por detrás destes números, há histórias por contar. A do casal que vinha celebrar a reforma e um aniversário, por exemplo, a da professora dedicada e que vivia "ao máximo" ou refugiado que fugiu da guerra na Ucrânia e acabou por morrer na capital portuguesa, num acontecimento nada bélico, mas de dimensão que se repercutiu em vários pontos do mundo.

Saiba quem são André Bergeron e Blandine, Alda Matias, Pedro Trindade, Ana Paula Lopes, Sandra Coelho, André Marques, Kayleigh Gillian Smith e o namorado William Nelson, e ainda Heather Hall.

André e Blandine: um casal "apaixonado" de restauradores

André Bergeron tinha acabado de entrar na reforma e, embora fosse um entusiasta pelo seu trabalho, procurava agora ter uma vida mais calma. Junto da mulher, Blandine Daux, vivia o último dia de férias em Lisboa, no dia em que também comemorava o seu aniversário. A morte do casal foi confirmada pela filha, Violette, e pelo Centro de Conservação do Quebec (CCQ) onde ambos trabalhavam, ele recém-reformado, ela ainda a trabalhar.

"É um vazio enorme, mas está a ser preenchido pouco a pouco com apoio e amor", partilhou este domingo a filha do casal.

Já o Centro de Conservação do Quebec publicou no sábado, no Facebook, uma homenagem ao casal após a confirmação feita pelo Ministério da Cultura e Comunicações. Segundo o centro, André e Blandine eram "dois valiosos membros da comunidade", tendo ambos contribuído "notavelmente para o workshop de arqueologia-etnologia do Centro de Conservação do Quebec".

A publicação descreve ainda André como "um dos pioneiros do CCQ", dedicando "mais de 40 anos ao restauro antes de se reformar em 2022". Já Blandine Daux, juntou-se à equipa em 2001 e mantinha-se ativa profissionalmente.

Ao jornal La Presse, Gina Vincelli, proprietária da cooperativa arqueológica Artéfactuel que trabalhou com o casal, afirma que "eram mais do que colegas", eram amigos que partilhavam a mesma paixão. Sobre Blandine, Gina descreve-a como uma "mulher profundamente humana, muito gentil e extremamente conhecedora da sua área".

A mulher, de dupla nacionalidade canadiana francesa, vivia no Canadá com o marido, natural do Quebec, há mais de duas décadas. Deixa duas filhas em comum com André. Blandine nasceu na região de Vosges tendo estudado no no colégio Jules Ferry em Saint-Dié, depois em Estrasburgo e, mais tarde, em Paris. Antes de se mudar para o Canadá, trabalhou em Metz para o Instituto Nacional de Pesquisa Arqueológica Preventiva (INRAP).

Viagem era prenda pelo 70.º aniversário de André

À CBC, Eric Bergeron, irmão de André, revelou que o irmão vivia um casamento feliz com Blandine e a viagem a Lisboa era uma prenda pelo seu 70.º aniversário.

"Eles estavam casados há cerca de 20 anos [e] o meu irmão tinha acabado de se reformar, o presente de aniversário dele foi ir a Portugal", disse Eric Bergeron, que veio até Lisboa com as duas filhas do casal.

Eric revela que as filhas do casal estão "devastadas". Detalha ainda que era "muito próximo" do irmão e que este era o seu "ídolo".

"Eram um casal muito bonito, estavam apaixonados. Ele era um homem feliz, era um casal contente. Ele tinha-se reformado, estava a começar a aproveitar — ele divertia-se no trabalho, mas estava a tentar relaxar um pouco", revelou ainda à CBC.

Ela agente funerária e encenadora, ele professor de teatro

A fotografia tirada num elétrico, de sorrisos no rosto horas antes da tragédia, mostrava o casal britânico feliz por explorar a capital portuguesa. Kayleigh Gillian Smith e o namorado William Nelson exploravam os locais mais icónicos de Lisboa e partilhavam-no nas redes sociais.

São duas das três vítimas britânicas que morreram na semana passada no funicular e são descritos pela forma como inspiraram outros ao longo das suas vidas.

Kayleigh Smith, de 36 anos, trabalhou como agente funerária e desempenhava agora o papel de encenadora. De acordo com uma nota emitida pela Polícia de Cheshire, "Kayleigh era amada pela família e amigos pela sua inteligência e humor, [e a] sua natureza gentil e atenciosa veio à tona no trabalho como agente funerária".

A mulher tinha acabado o seu mestrado na UCEN Manchester, sendo descrita pela diretora da universidade, Rachel Curry, como extremamente talentosa e entusiasmada, com um futuro brilhante pela frente como encenadora.

Já William Nelson, de 44 anos, era para o irmão um "herói" e fonte de inspiração para os seus alunos na Escola de Teatro de Arden na UCEN Manchester. Em depoimento à polícia, o irmão do britânico descreve-o como "gentil, altruísta e protetor".

“Inspirou milhares de estudantes da Arden School of Theatre a perseguir seus sonhos e ambições”, sublinhou Curry.

Há ainda registo de um homem de 82 anos britânico entre as 16 vítimas, mas este ainda não foi identificado.

Quatro funcionários da Santa Casa da Misericórdia

Entre os cinco portugueses que morreram na tragédia estão quatro funcionários da Santa Casa da Misericórdia que usavam o famoso funicular com frequência. Alda Matias, Pedro Trindade, Ana Paula Lopes e Sandra Coelho são os nomes dos quatro trabalhadores que não serão esquecidos na instituição.

Alda era natural da Bendada, concelho do Sabugal, e jurista nos serviços centrais da Santa Casa, segundo o jornal O Interior. Fazia parte da direção de estudos e planeamento estratégico.

Ana Paula Lopes era natural da aldeia do Vergão, em Proença-a-Nova. A mulher era funcionária da Misericórdia de Lisboa, trabalhava na direção de infância, juventude e família, casada e mãe de uma menina de 18. A sua morte é particularmente difícil para os pais que, há dois anos, já tinham perdido um filho, segundo revelou uma vizinha. No dia do funeral, pediram recato.

Pedro Trindade, professor de profissão, fazia parte da direção de estudos e planeamento estratégico. Além disso, era antigo árbitro de voleibol e desempenhou também funções de dirigente na Federação Portuguesa de Voleibol (FPV).

Sandra Coelho era outra das funcionárias que diariamente se dedicava àqueles que mais precisavam de ajuda. Pertencia à direção de cultura da instituição.

Fugiu da guerra na Ucrânia e vivia em Portugal

Uma das vítimas do acidente é um cidadão ucraniano que vivia em Portugal ao abrigo do regime de proteção para refugiados da guerra. A SIC sabe que o homem tinha 54 anos, no entanto, a sua identidade não foi revelada.

André Marques: o guarda-freio dedicado, amável e sorridente

O guarda-freio que operava o Ascensor da Glória no momento do descarrilamento, André Marques, foi a primeira vítima a ser identificada. A notícia levou a Carris a emitir um nota de pesar endereçada à família e amigos, descrevendo André como alguém dedicado, amável e sorridente.

"André Marques distinguiu-se pela sua lealdade e dedicação. Há 15 anos na CARRIS, desempenhou as suas funções com excelência, tendo sido um representante exímio da CARRIS na História da Cidade, contribuindo de forma essencial para a excelência do serviço que prestamos diariamente aos nossos Clientes e a Lisboa. Representou-nos aos comandos dos icónicos Ascensores. O seu valor e profissionalismo, reconhecidos por todos, teve um fim trágico com a perda da sua vida no acidente que o vitimou. Profissional dedicado, amável, sorridente e sempre disposto a contribuir para um bem maior."

Além da homenagem pública feita pela Carris, também o ator Miguel Costa partilhou nas redes sociais parte de uma entrevista feita pela SIC há dois anos no próprio Elevador da Glória.

Foi à boleia do programa Alô Portugal que o apresentador Miguel Costa subiu, na altura, no Elevador da Glória, sob o comando do guarda-freio André Marques.

Sem aviso prévio, naquele dia, de forma generosa e simpática – diz agora o artista –, não virou as costas à câmara.

Comovido, o ator Miguel Costa, partilhou, nas redes sociais, uma gravação feita há dois anos e usou os adjetivos simpático, prestável e bondoso para descrever o guarda-freio do Elevador da Glória.

André Marques pertencia à estação de Santo Amaro. Também o Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes veio a público apresentar condolências à família.

Recordado pelo "sorriso lindo"

Em Oleiros, na pequena aldeia, terra natal de André Marques, anónimos e figuras do Estado estiveram presentes nas cerimónias fúnebres. A pequena aldeia de Sarnadas de São Simão, terra com 100 habitantes, foi pequena para conter a tristeza e choque.

André Marques era um filho querido desta aldeia de Oleiros, vindo pontualmente a Sarnadas de São Simão, visitar a mãe.

Próximo dos habitantes, esta tragédia foi um choque para todos: "Vinha cá muitas vezes. Dizia sempre 'olá' com um sorriso lindo. Era uma pessoa incrível, toda a gente na terra gosta dele."

Há 15 anos na Carris, André Marques ensinou vários guarda-freios. Costumava fazer o trajeto entre os Restauradores e o miradouro de São Pedro de Alcântara.

Com 45 anos, deixa dois filhos menores.

Professora universitária e mãe de dois filhos que "vivia a vida ao máximo"

Heather Hall é a vítima norte-americana que morreu no acidente do Elevador da Glória. Mãe de dois filhos e professora universitária, é lembrada pela família como alguém que vivia com intensidade e, por isso, "morreu a fazer o que fazia de melhor: a viver a vida ao máximo, com ousadia e com o coração aberto ao mundo".

A instrutora especializada em alfabetização e educação especial estava de visita a Portugal no âmbito de uma conferência em que iria ser oradora, segundo revelou o College of Charleston em comunicado.

De acordo com a BBC, que cita a família, era apaixonada por "criar espaços inclusivos para crianças e adultos com deficiências" e "defensora incansável da equidade, representação e inclusão".

A família afirma que Heather desenvolvia "conexões profundas" com os amigos que se sentiam "verdadeiramente vistos e queridos por ela".

Insaciável pelo conhecimento e por fazer a diferença, a americana tinha uma bolsa no Programa Fulbright, um dos principais programas educacionais internacionais patrocinado pelos EUA, e adorava viajar.

Segundo a BBC, Heather costumava ainda fazer viagens de estudo com os alunos ao estrangeiro. No horizonte tinha já planeadas viagens à Islândia e Belize.

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