Desporto

Será que é possível chegarmos ao dia em que o futebol é arbitrado sem erros ou decisões comprometedoras?

Um excelente árbitro pode tornar um mau jogo num jogo vivo e empolgante, como um mau árbitro pode destruir um desafio que tinha tudo para ser fantástico.

Canva

Duarte Gomes

A (minha) resposta é... não. Nunca chegaremos a esse dia, por muito bons que sejam os árbitros ou por melhores que sejam os meios que disponham nesse sentido.

O motivo é simples. Os jogos são todos diferentes, porque são disputados em circunstâncias, locais, momentos e atletas distintos.

Há os que têm casa cheia e relevância para as contas finais e os que são jogados para cinquenta e tal pessoas e não afetam a classificação; há os que carregam histórico de rivalidade tremendo e os que se jogam em ambiente de cordialidade institucional; há os que são disputados sob calor intenso e os que decorrem com temperaturas negativas; há os que se disputam em relvados fantásticos e os que se jogam em péssimos ervados; há os que são protagonizados por amadores desconhecidos e os que se jogam por profissionais conhecidos; há os que se jogam em países doidos por bola e os que acontecem em sítios onde o futebol é o quarto ou quinto desporto nacional.

Na verdade, há mil e um fatores que pesam significativamente na forma como podem decorrer aqueles noventa minutos.

Mas além destes, há outros aspetos a ter em conta: a personalidade e maturidade dos atletas, as orientações que recebem dos seus técnicos, o seu momento de forma física e emocional, a intensidade que colocam em cada disputa, a forma como reagem a provocações de adversários/adeptos, a maneira como lidam com decisões de arbitragem, enfim, um mar infinito de variáveis que podem afetar a predisposição e entrega ao jogo daquelas vinte e duas almas.

Há ainda a eterna questão da interpretação. O jogo é fértil em lances dúbios e, como se isso não bastasse, a sua análise é habitualmente parcial, emotiva e vista pelo prisma do coração.

É raro, raríssimo haver convergência total em relação às decisões. O que é bem avaliado para uns, será sempre um "roubo de igreja" para outros. O que é subjetivo para uns, será sempre claro para outros.

E, obviamente, há ainda uma outra questão fundamental, porventura a mais importante de todas: a qualidade e experiência do próprio árbitro.

Um excelente árbitro pode tornar um mau jogo num jogo vivo e empolgante, como um mau árbitro pode destruir um desafio que tinha tudo para ser fantástico.

É aí que entra em campo a importância da preparação e do treino. Não basta correr muito, a condição física é importante para avaliar bem sem atrapalhar a jogada e mantendo a lucidez que o tempo desgasta. Não basta saber as leis de jogo na ponta da língua, é preciso ter inteligência emocional e sensatez para as aplicar na prática, a cada momento, em cada jogada. Não basta ser educado e discreto, é preciso ter personalidade forte, segurança, confiança, presença e dimensão humana.

Um árbitro demasiado disciplinador ou arrogante pode ser temido, mas jamais será respeitado. Um árbitro humilde, correto, consistente, será sempre bem aceite, mesmo quando erra.

É esse equilíbrio pessoal e emocional, essa exigência desportiva, essa responsabilidade profissional e humana que devemos incutir aos árbitros.

Isso requer treino em campo e em sala, técnico e físico, como trabalho a outros níveis (sociológico, fisiológico, psicológico, etc) e muito trabalho de casa.

Para ter essa liberdade é fundamental que a arbitragem avance para o profissionalismo a sério (que não existe), com recursos e condições financeiras, logísticas, operacionais e humanas suficientes para trabalhar a excelência e aumentar a exigência, afetando inevitavelmente a qualidade dos desempenhos.

Nunca será perfeito, mas será sempre melhor, porque só o trabalho traz o sucesso.

"The more I train, the luckier I get".


Últimas