Há momentos em que ainda não fizemos nada e já temos vários pregos pregados na cruz. E há outros em que as coisas até correm dentro do que planeámos, mas mesmo assim não nos livramos de um épico coro de assobios.
Parece que é uma necessidade insaciável, essa de se bater em tudo o que mexe, faça-se o que se fizer, consiga-se o que se conseguir.
Obviamente que no futebol essa realidade é exponenciada ao máximo, não fosse o jogo um dos fenómenos emocionais mais impactantes da sociedade.
Vem isto a propósito da participação da seleção portuguesa no Euro 2024.
Apesar de uma fase de apuramento com dez vitórias em dez possíveis (!), trinta e seis golos marcados e apenas dois sofridos, a "nossa equipa" foi criticada do primeiro ao último jogo. Para muitos, faltou tudo: consistência, profundidade, qualidade tática, maturidade, atrevimento, nota artística e sabe lá Deus mais o quê. Ah! E os adversários eram todos fracos.
Bem, por partes
A análise crítica, o pensamento exterior, a opinião de outros, pode ser uma ferramenta importante, desde que fundamentada e construtiva. Desde que efetuada com elegância e consistência. Pode até ser um mecanismo fundamental para auto-análise e evolução. Muitas vezes quem está de fora, a outra distância, consegue ver aquilo que a proximidade impede de enxergar.
Mas esse direito - que eu próprio exerço em relação à arbitragem -, deve ser maioritariamente equilibrado, bem-intencionado e focado no essencial, não procurando defeitos em tudo o que mexe. Quando o padrão miudinho repete-se, deixa de ser crítica para ser um bota-abaixo constante que, convenhamos, mais parece privilegiar o protagonismo pessoal do que propriamente a função que se é pago para exercer.
Confesso que estou algo incomodado (mas não surpreendido) com muito do que tenho lido e ouvido na ressaca da qualificação de Portugal para os ¼ de final da prova.
De ataques direcionados a Roberto Martinez, à "terceira idade" de Cristiano Ronaldo e Pepe ou a tanta sabedoria técnico-tática, demasiados comentários duríssimos, alguns a roçar o brejeiro. Um festival de pancadaria à antiga, depois de quê? De uma vitória. De uma vitória suada, é certo, com um herói improvável, mas pouco diferente das que tantas outras potências conseguiram nesta competição.
Há analistas que nunca calçaram um par de botas, nunca respiraram o ambiente de balneário, nunca tiraram o curso de treinador nem nunca cheiraram a relva, mas que parecem saber mais do que quem fez todo esse trajeto teórico. Do que quem estuda, prepara e vive tudo aquilo 24H por dia, ao mais alto nível. É extraordinário, não é?
Acontece o mesmo quando o tema são arbitragens. O saber exterior, quando alicerçado em prosas elaboradas e narrativas carregadas de indignação, parece ser sempre mais acertado do que a análise feita por quem se especializou na matéria ou fez carreira na área. É (mesmo) extraordinário! O médico a ensinar ao advogado como é que ele se deve comportar em tribunal.
Obviamente que todos nós gostávamos de ganhar por muitos e sempre em alta rotação, com qualidade máxima e tiques de perfeição, mas é preciso perceber que, do outro lado, há quem tenha idênticos objetivos. Há adversários motivados e prontos para estragar-nos os planos. E há uma época inteira nas pernas, milhares de minutos em cima e muito cansaço físico e emocional para gerir.
Além disso, as pessoas têm as suas convicções técnicas e essas não têm que ser iguais às nossas. Sim, há momentos em que as coisas não saem bem. Há opções menos acertadas, escolhas erradas, falhas evitáveis. É futebol e o futebol é assim mesmo, feito de sempre perfeita imperfeição humana.
Lembro-me quando em 2016, Fernando Santos - sempre alvo da fúria desenfreada de adeptos e comentadores - era esmagado após cada vitória escassa, com atuações "pobres e pouco conseguidas", mais isto e aquilo. E também me lembro depois ver os seus principais críticos a chorarem baba e ranho, rendidos a Éder e à eterna alma lusitana, quando o engenheiro trouxe o caneco para cá.
Claro que não há nenhuma hipocrisia deliberada nessa visão. É apenas a natureza de alguns, que escolhem a via do "na minha opinião" do que o pragmatismo de perceberem que não somos os melhores do mundo, mas de erro em erro, de acerto em acerto, lá vamos chegando onde queremos.
E se em vez de olharmos para o copo meio vazio, déssemos mais força e moral à rapaziada... não?
Que Portugal chegue à final, que CR7 marque uns dois ou três, que Pepe limpe tudo lá trás e que o nosso herói segure todas as que lá forem.
Mesmo que o coiso jogue sempre e esteja velho ou que o outro tivesse que ir para o meio e não para a esquerda... que seja aquilo que quem lá está quiser que seja. Porque é quem lá está que é pago para decidir.
Se correr mal, cá estaremos para responsabilizar e apontar o dedo.
Mas se corre bem... ai, se corre bem...