Desporto

Talento a mais para Martínez

Opinião de João Rosado. Para melhorar a eficácia defensiva, o selecionador pode ter de sacrificar o futebol de veludo de Vitinha.
PATRICIA DE MELO MOREIRA

João Rosado

Os regressos de Pepe e Cristiano Ronaldo à titularidade podem prender as atenções logo à noite quando Portugal defrontar a República da Irlanda em Aveiro, mas para Roberto Martínez o passado e o futuro da seleção nunca estiveram tão pouco relacionados com a dupla que fez furor no Real Madrid e que pode voltar a juntar-se no Al-Nassr.

É evidente que a influência dos dois jogadores nos setores que lideram permanece alta, só que isso é apenas parte da solução global que o selecionador tem de arranjar para permitir de hoje a oito dias uma estreia vitoriosa no Campeonato da Europa.

Frente à Chéquia, na partida que a SIC vai transmitir, o meio-campo nacional já não poderá conviver com nenhuma espécie de equívoco ou ensaio, sob pena de comprometer o favoritismo que se reconhece ante um adversário que ocupa o 36.º posto no ranking mundial.

Não por acaso, na conferência de Imprensa de lançamento do terceiro jogo de preparação, Martínez fez questão de salientar que os problemas defensivos têm origens diversas e seria um erro atribuí-los em exclusivo aos futebolistas que atuam nas zonas mais recuadas.

Com oito golos sofridos nos últimos quatro compromissos, à cadência de dois por encontro (impostos por Suécia, Eslovénia, Finlândia e Croácia), Portugal revelou vulnerabilidades que levaram o treinador a reconhecer que as correções podem incidir sobre os laterais e... sobre os médios que assumem a denominada posição 8.

Sem revelar nomes, na linha do que se esperaria nestas circunstâncias, o catalão acabou ontem por tocar na ferida maior, ainda que de uma forma muito superficial e prudente, evitando discutir no exterior questões melindrosas para o balneário na véspera de uma grande competição.

Em primeiro lugar, o que as últimas exibições demonstraram é que a seleção está condenada a usar um sistema tático suportado numa linha de quatro elementos à frente de Diogo Costa. O 4-3-3 é o único desenho que permite a coabitação entre João Palhinha e Vitinha se a ideia é usar dois laterais com provas dadas a nível mundial, com Cancelo na direita e Nuno Mendes no lado esquerdo.

Face à sua versatilidade, mesmo que Nélson Semedo ou Diogo Dalot fossem lançados para o 11, a premissa manter-se-ia, ou seja, uma linha de cinco unidades na defesa iria comprometer a presença de Palhinha no bloco intermédio. Com Danilo, António Silva ou Gonçalo Inácio a comporem o tridente ao lado de Pepe e Rúben Dias, seria quase impossível encontrar espaço para o médio do Fulham no território de Vitinha, a menos que Bruno Fernandes fosse deslocado para um corredor lateral em consonância com a ida de Rafael Leão, Diogo Jota ou João Félix para o banco de suplentes.

NETO PERFILHA UMA SOLUÇÃO

À partida, atendendo à inclusão de quatro laterais na lista de 26 (a condição física de Raphael Guerreiro atraiçoou-o), é, no entanto, pouco razoável pensar-se que a matriz Martínez contemple uma arrumação diferente para o capitão do Manchester United, “só” o mais influente dos atletas na fase de qualificação, com seis golos e oito assistências.

Em rebuscado exercício estratégico, um ala como Pedro Neto resolveria este imbróglio despertado pela hipotética composição de um meio-campo com Palhinha, Vitinha, Bruno Fernandes e Bernardo Silva além de... três defesas-centrais. Cancelo (ou Dalot?) na direita e Neto na esquerda ofereceriam largura a um bloco que conseguiria emprestar declaradamente Bernardo à posição 10, nas costas de Ronaldo. Este cenário nada ofereceria de problemático à exceção de robustecer em demasia o figurino mais coriáceo, talvez com prejuízo da componente técnica e da acutilância ofensiva de um onze, sublinhe-se, sem Leão, Jota ou Félix.

Num contexto em que os campeões europeus de 2016 estejam forçados a assegurar uma resposta cabal nos lances aéreos e a revelar enorme capacidade de choque, o efeito dominó do joker Neto pode desencadear as melhores respostas e a conveniência de uma retaguarda com cinco protagonistas. Até que isso se revele imperioso, o plano A encabeça as preocupações e carece de definição porque não são de desprezar os riscos que o próprio Vitinha corre se a equipa técnica desconfiar da eficácia da transição defensiva no quadro do “obrigatório” 4-3-3.

A desfrutar de um estatuto como nunca teve, o “príncipe” de Paris, logo depois de Bernardo Silva, exibe o futebol mais aveludado e criativo entre os 26 finalistas e prepara-se para disputar o primeiro Europeu sénior depois de ter sido incluído na formação ideal da edição 2023-24 da Liga dos Campeões. A par do inglês Jude Bellingham (um dos maiores candidatos à Bola de Ouro que vai ser entregue em outubro próximo) e do austríaco Marcel Sabitzer (recém-curado da depressão que o afetou depois de perder a final de Wembley), o craque de Santo Tirso emoldura uma intermediária de sonho na versão Champions e foi sempre titular de Portugal nos desafios com Eslovénia, Finlândia e Croácia, que “fecharam” com um apertado 7-6 no que respeita a golos marcados e sofridos.

NEVES OU NUNES, NUNCA SE SABE

Como Bernardo e Bruno Fernandes têm assento cativo no onze inicial, na eventualidade de Roberto Martínez sacrificar alguém em nome de uma maior disponibilidade para reagir à perda de bola e de uma maior agressividade nos duelos individuais, o talentoso centrocampista do PSG, por exclusão de partes, acaba por ser o nome mais exposto.

As características dos adversários e a ordem cronológica das partidas (umas na fase de grupos e outras, desejavelmente, em fase a eliminar) revelar-se-ão também fatores determinantes para as decisões que tiram o sorriso a Roberto Martínez, sendo certo que as alternativas são de fazer inveja. Pelos rasgados elogios que tem merecido por parte do selecionador, João Neves parece ser o grande candidato a um posto entre Palhinha e Bruno, tendo sido até testado em duas funções no particular de Alvalade com a Finlândia.

Por outro lado, Matheus Nunes, convocado à última hora na sequência da lesão de Otávio, entrou muito bem frente à Croácia e parece reunir como nenhum outro os predicados que o validam como excelente recuperador e ótimo lançador do ataque, sem esquecer que é o mais indicado para compensar à direita as infiltrações de Bernardo em zona interior.

Bem vistas as coisas, Portugal, de repente, até pode começar o Euro com um quinteto “inglês” à frente da defesa, com Palhinha (Fulham), Bernardo, Matheus (City), Bruno Fernandes (United) e Jota (Liverpool) a municiarem Cristiano. Há dois anos, o capitão ainda seria o sexto Beatle mas o tempo voa à velocidade dos recordes. John O’Shea, comandante da Irlanda que logo se vai apresentar em Aveiro e também ele um ex-pupilo de Sir Alex Ferguson, será o primeiro a lembrar a Ronaldo que yesterday está longe demais.

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