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O próximo grande erro de Rúben Amorim

Opinião de João Rosado. Já pode ser tarde para o treinador do Sporting aprender com o exemplo de Sérgio Conceição.
ANTONIO COTRIM/Lusa

João Rosado

As lágrimas que correram em muitas faces no final da Taça de Portugal disputada no domingo revelaram em primeiro lugar sentimentos de ocasião, mas também graus de parentesco, alianças improváveis, pazes com a vida e uma indisfarçável saudade.

Francisco Conceição não largou os ombros do pai assim que o FC Porto assegurou a vitória sobre o Sporting, Luís Gonçalves envolveu o treinador num grande abraço, Pinto da Costa emocionou-se bastante junto de André Villas-Boas e os olhos de Sérgio Conceição derramaram os sinais de uma despedida anunciada, nostálgica e avermelhada com a enésima expulsão.

Rúben Amorim conseguiu no rescaldo da derrota manter a compostura. Por fora, não mostrou ter sido acometido por nenhum pranto. Por dentro, o responsável leonino estava cheio de motivos para chorar. A aposta particular em St. Juste parecia destinada a carimbar a tão ambicionada “dobradinha”, e de repente lapsos de natureza individual sucederam-se e impediram-no de chegar à meta.

Como é evidente, algum dia, mais tarde ou mais cedo, o Sporting será capaz de voltar a carimbar os dois troféus numa única temporada. Será uma questão de tempo e nunca deverá ser a questão para Rúben Amorim, por muito que corresponda a um sonho de criança e por muito gordo que seja o cheque que a massa associativa voltou a passar-lhe após a conquista do segundo campeonato.

Do ponto de vista meramente racional, o técnico leonino devia estar a esta hora a fazer as malas e a preparar-se para emigrar até outro patamar competitivo. Considerando a popularidade europeia de que desfruta enquanto figura que deixou de ser vista somente como uma promessa igual a tantas outras, Rúben dará um passo em falso caso insista em colecionar medalhas a nível interno.

O SPECIAL ONE...

Apesar de pertencer a uma geração diferente, se continuar por cá (conforme anunciou Frederico Varandas a poucos metros da varanda da Câmara Municipal de Lisboa), o campeão que chegou aos 90 pontos começa a escolher o caminho que outrora foi trilhado por Jorge Jesus e mais recentemente por Sérgio Conceição, atrasando-se desnecessariamente.

Face ao desfecho verificado no duelo de encerramento oficial da época, é demasiado fácil para o recordista de títulos do FC Porto concluir que valeu tudo a pena e que os sete anos no Dragão não foram excessivos. Só que há uma diferença entre a legitimidade que resulta da dureza dos números e aquela que espelha a verdadeira natureza dos vencedores.

Não é por ter construído uma autêntica “equipa” de taças (11 levando em linha de conta a remontada festejada há menos de 48 horas no Jamor) que Sérgio se apresenta nesta altura como um protagonista pretendido e prestes a formalizar a saída. Se tivesse metade do pecúlio, de certeza que nenhuma das propostas que lhe foi apresentada tinha ficado na gaveta.

No fundo, não são as proezas intermináveis no contexto doméstico que definem quem tem reais condições para pisar outras galáxias. José Mourinho precisou de ganhar uma Liga Europa e uma Liga dos Campeões para abrir o mundo aos colegas portugueses e Villas-Boas só precisou de aproveitar a embalagem do “Special One” e um trajeto inesquecível (2010/11) para chegar à Premier League.

Marco Silva e Nuno Espírito Santo, resumindo o universo àquela que está reconhecida como a melhor Liga do Mundo, não chegaram aos calcanhares do sucesso de Amorim ou de Conceição e, no entanto, a sua competência diferenciadora validou a entrada na elite além-Mancha.

... E UM SLOT MACHINE

A outro nível, descendo alguns degraus, o Feyenoord acaba de transferir para o Liverpool o homem que... falhou o bicampeonato. Vista muitas vezes como uma prova capaz de estabelecer múltiplos paralelismos com o principal escalão português, a Eredivisie foi este ano arrebatada por um PSV Eindhoven que devolveu a credibilidade a Peter Bosz, alguém que foi incapaz de triunfar nas passagens por Borussia Dortmund, Bayer Leverkusen e Olympique Lyon.

Ou seja, apesar de ter ficado a sete pontos do primeiro lugar, Arne Slot ganhou a corrida à sucessão de Jurgen Klopp em Anfield e não perdeu a oportunidade que lhe foi estendida numa passadeira vermelha, recusando-se a ficar em Roterdão na expectativa de recuperar o ceptro em 2024/25.

Sendo particularmente saborosos para os presidentes, os ciclos hegemónicos não garantem o mesmo tipo de retorno a quem chefia o balneário, sobretudo se estivermos a falar de competições com um desnível acentuado no que respeita à relação entre o número de concorrentes e aqueles que usufruem de reais possibilidades para correr atrás do ouro.

Uma coisa é Pep Guardiola fazer história em Inglaterra com o tetra celestial e outra é uma competição de menor expressão e competitividade oferecer um domínio significativo a um determinado clube, seja em Portugal ou nos Países Baixos. A competência, qualidade e astúcia que Rúben Amorim e Sérgio Conceição demonstraram nas provas internacionais sempre que as suas equipas tiveram oportunidade de defrontar os melhores, isso, sim, constituiu um fator diferenciador no mapa das transferências, um pouco (ou bastante...) à semelhança do que se passa com os jogadores.

E da mesma forma que Jorge Nuno Pinto da Costa se equivocou ao ignorar o timing certo para a renúncia, também os treinadores que estão muito acima da média correm o risco de protelar sem nenhuma espécie de lógica o salto para outra dimensão.

A menos que tudo aquilo que foi tornado público nunca tivesse correspondido à verdade, Amorim deve perceber que as várias abordagens que recebeu encaixam como uma luva num tempo em que pode deixar o País como campeão.

Trocar um adeus airoso (e de certeza muito compensador do ponto de vista financeiro para o Sporting) pelo cumprimento do contrato representa um louvável ato de coragem, recheado de perigos e de incógnitas. Como qualquer profissional dos três grandes sabe, as garantias de sucesso continuado não são assim tão ilimitadas e se fossem não era por aí que se iria começar a escrever um conto de fadas internacional.

Rúben, tanto quanto se percebe, prepara-se para cometer um grande erro. Daqueles que podem fazer cair muitas lágrimas por dentro e por fora e que adiam as pazes com a vida. Mais vale começar já a treinar a saudade.

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