Desporto

Villas-Boas, mais leão que dragão?

Opinião de João Rosado. Alguns anos depois de ter estado a um passo de Alvalade, o maior adversário de Pinto da Costa precisa mais do que nunca do Sporting e... do Benfica.
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João Rosado

Catorze anos depois de ter confessado a sua desilusão por se terem rompido as negociações com vista ao ingresso no Sporting, André Villas-Boas volta a ter amplos motivos para envolver os leões nos planos para o futuro.

Os leões e... os grandes rivais do outro lado da Segunda Circular lisboeta. A partir da obra-prima que Sérgio Conceição pintou no Coliseu do Porto, com o beijo na testa de Pinto da Costa, tudo aquilo que resultar da carreira do FC Porto no campeonato influenciará sobremaneira o desfecho das eleições marcadas para abril.

Se dúvidas ainda existiam sobre o posicionamento de Conceição, o abraço prolongado e as lágrimas trocadas no domingo com o atual presidente tornaram claro que o treinador não se revê noutros candidatos e não acompanha as declarações e a postura já assumidas por Cecília Pedroto.

Um dragão capaz de lutar taco a taco com Sporting e Benfica pelo título e pela importantíssima qualificação para a Liga dos Campeões será, assim, um trunfo bastante valioso para quem está no poder há 42 anos e se propõe reforçar o ciclo vitorioso.

Cada golo marcado pelo onze de Sérgio Conceição e cada vitória alcançada podem significar votos acrescidos para Pinto da Costa (PC), que dispensa lições sobre a forma como as massas associativas se expressam nas urnas, seja no contexto de uma Assembleia Geral (AG) para aprovação de contas ou na escolha de um líder.

A maioria dos adeptos, independentemente do clube, não enche os estádios e não vota nos pavilhões com a caneta numa mão e o Relatório e Contas enviado pela SAD à CMVM na outra. Essa maioria prefere o voto nos ídolos que usam chuteiras e é muito mais sensível aos resultados apresentados dentro das quatro linhas e coincidentes com as obras de arte desportiva expostas nos museus.

UM BEIJO COMO SE FOSSE A ÚLTIMA VEZ

Com o Benfica a seis pontos e o Sporting a quatro (que podem ser sete), um FC Porto incapaz de encurtar distâncias validará, ao invés, os argumentos de quem contesta a gestão dos últimos anos e também sabe desde o último fim-de-semana que vai ter de acelerar a procura por um treinador.

Ninguém pode acusar André Villas-Boas (AVB) de pertencer à velha guarda, mas seria muito estranho que no estruturado programa de candidatura, entre as múltiplas propostas de "refundação" dos setores vitais, se omitisse o nome da figura selecionada para suceder a Sérgio Conceição.

Mesmo que a localização do novo Centro de Formação, a edificação do futebol feminino e sobretudo a reestruturação financeira consumam centenas de horas de campanha, não é opção para AVB assistir impávido e sereno à oficialização do sentido de voto do homem que nos últimos sete anos tem dado as ordens no balneário.

Uma coisa é o principal adversário de PC entender que a operação que levou à detenção, entre outros, de Fernando Madureira, pode e deve ser comentada apenas dentro de paredes, considerando inclusive o papel de testemunha privilegiada dos acontecimentos registados na AG de 13 de novembro de 2023. Este tipo de silêncio, cúmplice de um respeito pelos trâmites da justiça que nestes momentos faz parte da cartilha de tudo e todos, revela-se, por outro lado, proibitivo na hora de reagir a uma megacartada selada com um beijo no Coliseu que pode ter sido fotografado pela última vez.

A BRIOSA E O BENTO DE FEIÇÃO

Ao verem Conceição escolher, sem surpresa, o lado da barricada, o mínimo que os indefetíveis de Villas-Boas esperam é que este responda na mesma moeda e divulgue, mais dia menos dia, o eleito para a celebérrima e mais estafada do que estofada cadeira de sonho.

Deixar esse campo em aberto, sabendo-se da importância do cargo em questão para as instituições que vivem do futebol, seria como pedir uma carta em branco aos sócios, quase dando a entender que em caso de necessidade o próprio presidente poderia descer da tribuna até ao banco.

Sem colocar em causa as capacidades técnico-táticas de AVB, que de certeza é ainda possuidor do talento invulgar que o levou a várias conquistas no pós-Mourinho, longe vão os tempos em que o jovem técnico demonstrava uma desmedida ambição vestido de lobo por cima da pele de dragão. "O sonho de qualquer treinador é chegar a um 'grande'. Claro que o comunicado do Sporting me apanhou de surpresa. Parece-me que para o Sporting já não tenho hipóteses de ir e com muita pena minha", foram as palavras transmitidas por André Villas-Boas à agência Lusa em 2010, quando fazia furor ao comando da Académica de Coimbra e em Alvalade o atarefado José Eduardo Bettencourt hesitava na substituição de Paulo Bento.

Estávamos em abril de 2010. Nem Pinto da Costa desconfiava da revolução com que aparentemente muitos sonham para abril de 2024 nem Villas-Boas imaginaria que catorze anos depois voltaria a "precisar" tanto do Sporting (e do Benfica) para chegar ao FC Porto.

Macacos me mordam se alguém, no domingo, em pleno Coliseu do Porto, não lembrou que os amigos são para as ocasiões…

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