Desporto

Humanizar o papel de quem tem a missão mais difícil no desporto moderno

Esta semana, Luciano Gonçalves (Presidente da APAF) tocou num tema crucial para o presente e futuro da arbitragem: a incapacidade do "futebol" em manter novos árbitros.

CANVA

Duarte Gomes

Não obstante os números de hoje serem inferiores ao que era há vinte e cinco anos - facto que expõe a falta de estratégia e investimento nessa área -, a verdade é que há sempre quem arrisque a tirar o curso e dar os primeiros passos de apito na mão.

O problema é que não ficam muito tempo.

A taxa de retenção a um, dois anos é baixa e não deixa perspetivas animadoras.

É importante que se criem formas capazes de combater essa tendência, sabendo que a tarefa não será fácil: a má imagem, o receio de agressões, a remuneração pouco atrativa (sobretudo nos anos iniciais), a sujeição a insultos e as horas de dedicação exigidas não são apelo para todos.

Mas na verdade, há muitas e boas ideias para tentar contrariar essa deserção em massa. O que parece não haver, repito, é vontade institucional em aplicá-las de forma transversal, até porque isso exige trabalho e recursos.

A minha opinião?

Num cenário ideal, os árbitros mais jovens (entre 14 e 18 anos) deviam usar nos seus jogos um crachá/emblema que identificasse a sua "juventude" ou nível de aprendizagem. Isso despertaria nas pessoas (adeptos, jogadores e técnicos) mais empatia e maior tolerância à decisão. É uma medida utilizada com sucesso noutras paragens.

Esses jovens deviam também integrar programas de mentoria e acompanhamento, de forma a se sentirem apoiados e orientados por quem tem mais experiência do que eles. É fundamental que recebam dicas e conselhos antes dos jogos, como feedback depois. A sua capacidade de absorção nessas idades é muito boa.

Outra coisa que não devia ser descurada é o processo formativo: os mais novos precisam treinar as suas competências físicas e técnicas. Para isso devem participar com maior frequência em ações técnicas com conteúdos adequados ao seu escalão e também em cursos de reciclagem de colegas de outros patamares, de modo a facilitar a sua motivação, integração e conhecimento.

Claro que nada disso fará sentido se não houver apoio e proteção adequados.

É importante sentirem que fazem parte de um sistema que não lhes virará as costas, aconteça o que acontecer. Isso passa por se sentirem seguros dentro dos estádios e por receberem apoio psicológico e emocional sempre que necessitarem. A dureza da tarefa (e a juventude) podem criar momentos de dúvida e hesitação irreparáveis.

Haverá naturalmente muito mais a ser feito: o reconhecimento dos sucessos (a valorização de boas arbitragens é fundamental para a autoestima dos mais novos), seja através de prémios, seja através de nomeações encorajadoras; a compreensão para a responsabilidade desportiva e social que a função exige; a criação de planos de carreira (para que definam metas e lutem por elas); a flexibilização de treinos e jogos em detrimento de questões superiores, como a família e o aproveitamento escolar, etc, etc.

Até que tudo isto seja pensado e executado, é crucial continuar a (tentar) consciencializar as pessoas para a dificuldade da tarefa, humanizando o mais possível o papel de quem tem a missão mais difícil no desporto moderno.

Roma e Pavia não se fizeram num dia, mas fizeram-se. Passo a passo.

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