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Ganhar assim não pode dar gozo a ninguém, certo?

Opinião de Duarte Gomes. Uma das decisões mais difíceis que um árbitro tem que tomar em campo é a que está relacionada com a avaliação de cargas, sobretudo as que acontecem dentro das áreas e que podem vir a ser sancionadas com pontapé de penálti.
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Duarte Gomes

É que um erro de análise a meio campo é incómodo mas, em teoria, menos grave. O que acontece no interior da área pode ter impacto direto no resultado e no desfecho do jogo.

Para quem decide, as dúvidas são quase sempre as mesmas:

- Se um jogador promove contacto físico evidente sobre outro (por exemplo, uma ou as duas mãos colocadas em qualquer parte do corpo do adversário), quando é que sabemos que estamos perante uma ação normal de jogo permitida pelas leis ou uma infração, uma carga ilegal que tem ser punida?

Se antes já era uma dor de cabeça, agora é ainda mais porque o aparecimento da vídeo tecnologia veio potenciar o aumento da malandrice: os atacante já perceberam que as imagens televisivas podem mostrar possível "causa/efeito" em quase tudo. Basta que sintam o toque e projetem-se para o relvado.

Este é um dos danos colaterais de uma ferramenta com grandes vantagens: a imagem parada ou analisada em slow motion quase sempre identifica "tecnicamente" possível infração. Se por acaso o árbitro assinalou (erradamente) um pontapé de penálti por força disso, nenhum vídeo árbitro terá a certeza absoluta que ele errou, portanto opta por não intervir.

Não é à toa que o número de pontapés de penálti aumentou exponencialmente na era pós-VAR. Dá que pensar, não dá?

Para evitar o aumento de injustiças na análise de lances como esses, deixo-vos com algumas considerações que podem ajudar a discernir a legalidade da ilegalidade das cargas:

  1. As mãos do jogador que encostou no adversário fizeram movimento elevatório (tipo basculção) para empurrar, exercer pressão? Ou apenas "pousaram" no corpo/costas do atacante?
  2. Percebeu-se que houve carga/força suficiente no uso das mãos ou apenas um toque que não pareceu justificar queda do adversário? E o contacto, foi mútuo, promovido e iniciado pelos dois ou feito apenas por um sobre o outro?
  3. A forma de cair de quem sofreu o toque foi natural, expetável para quem foi empurrado? O jogador caiu "estatelado" no relvado, como se fosse surpreendido pela ação do opositor? A queda foi desamparada, não deixando dúvidas para ninguém que houve carga ilegal? O jogador caiu no sentido certo para o toque que sofreu?
  4. Ou a queda pareceu demasiado forçada, dramatizada, teatralizada até? O sentido/direção da queda não foi coerente com o contacto sofrido? Os dois pés do atleta que caiu levantaram para trás na queda? Houve uma espécie de "chamada/salto" antes de cair?
  5. O jogador que fez a carga tem por hábito usar os braços para empurrar adversários? É um padrão normal no seu estilo de jogo?
  6. E o jogador que sofreu, costuma "cair fácil"? Tem por hábito simular quedas? Ou habitualmente suporta contactos físicos até ao limite?

Tal como referi, estas são apenas algumas dicas técnicas, mas se bem interpretadas em campo podem ajudar a perceber quando é que há aproveitamento de quem cai ou quando é que uma carga é, de facto, irregular.

Sabemos que em momentos de avaliação tão difíceis haverá sempre discussão, até porque na maioria das vezes cada um só vê aquilo que o coração permite, mas tecnicamente pode ajudar termos em atenção essas ferramentas.

Dica final:

- Pensem naquela situação em que um jogador protege a posse de bola, com o corpo/costas, junto à bandeirola de canto (geralmente quando estão a ganhar e querem que o tempo seja gasto com a bola em jogo).

Quando isso acontece esse atleta tem uma capacidade incrível de suportar a pressão de um ou até mais adversários: abre os braços, estica o rabo para trás, sofre dois, três, quatro toques com as mãos, pés e raramente cai. Aguenta até ao limite, até ao árbitro intervir.

A pergunta é: se têm essa capacidade estratégica ali, como é que caem com tanta facilidade na área dos adversários?

Claro que, na maioria dos casos, o objetivo é beneficiarem do pontapé de penálti. Não tenhamos dúvidas.

A forma mais eficaz de "combatermos" essa malandrice é exigirmos aos árbitros muita concentração e capacidade de análise apurada e, já agora, apelarmos a um maior desportivismo por parte dos próprios jogadores, sensibilizando-os para adotarem condutas mais... desportivas.

A queda propositada sem carga ilegal é um expediente para enganar não apenas os árbitros, mas também adversários e adeptos. Até os próprios colegas.

Em bom português, é batota.

Ganhar assim não pode dar gozo a ninguém, certo?

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